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Um governo de feios, sujos e malvados: a gente é pobre mas é limpinho

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mauricio falavigna
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A ideia é a de humanização do presidente junto ao eleitorado. Nada mais recorrente do que mostrá-lo como um homem simples, do povo, gente como a maioria dos brasileiros. Pobre, sem requintes e sem luxo. Nada mais apropriado para alguém que, eleito com o discurso de “acabar com a mamata”, se vê envolto em pequenas e grandes corrupções desde o início do mandato. Nada melhor para encobrir o gasto de quase R$ 30 milhões no cartão corporativo desde a sua posse.

A elite brasileira é pródiga em imagens sobre o pobre. Paulo Guedes não enxerga quem não vai aos mesmos supermercados que ele, considera que os restos das refeições de restaurantes solucionariam a fome no País. Entre os candidatos à presidência mais benquistos pela mídia, um deles chamou uma coletiva e, com ares de gênio, anunciou o fim da fome graças a uma ração humana. O outro, mais badalado e enriquecido por prevaricação em cargo público, afirmou que criará uma “Força-Tarefa” para evitar que o brasileiro “caia na armadilha da pobreza”. O atual presidente não poderia ficar atrás. Teria de mostrar uma vez mais que é um “homem do povo”.

A imagem repulsiva que invadiu as redes no final de semana exibe mais que uma peça de marketing. Mostra, mais uma vez, a imagem do brasileiro que os donos do poder possuem e querem explorar.

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Foi nítido o desconhecimento do cotidiano da pobreza, das pessoas que vivem imersas nesta situação e da relação entre a civilidade e a necessidade material. A presunção de quem tem nojo, não convive e nem visualiza a vida de gente simples fez com que irrompesse um arroubo de sinceridade. “Presidente, mostra aí que é gente simples, eles vão esquecer os milhões do cartão”. Surge uma pantomima grotesca, um ser que enxerga a pobreza como algo sujo, sem educação e sem talheres, como gente que se compraz em ofender aqueles com que convive. Um Gargântua que devora sem a alegria da partilha e da convivência, sem tempo e sem polidez, todo o alimento ofertado.

O vídeo foi sacado das redes. Mas a imagem permanecerá. Não se trata aqui de bons modos, normas de educação e nem mesmo de higiene pessoal. Trata-se de uma caricatura do brasileiro, desvinculada da realidade, mas onipresente no imaginário das pessoas bem nascidas ou que não sofrem para alcançar a mínima sobrevivência.

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Vale lembrar que, conforme dados do IBGE, 90% dos brasileiros têm renda menor do que 3,5 mil reais, e 70% ganham até dois salários mínimos. É neste cenário que o acinte do cartão corporativo ganha corpo, e a imitação grotesca do brasileiro vem tripudiar sobre a nossa tragédia – mas também explicar porque nos consideram subumanos, de segunda classe. Não nos conhecem e nos repudiam.

O Brazil não conhece o Brasil, o Brazil tá matando o Brasil. O ódio e o nojo ao brasileiro pobre ou remediado sempre foi presente entre os nababos, mas talvez nunca tenha chegado a esse extremo. Enquanto isso, tanto o discurso quanto a prática de inserção do pobre no orçamento, de oferta de trabalho e pão, de liquidar a miséria, do churrasco com os seus no final de semana, de acesso universal à educação, de garantia da dignidade básica do brasileiro, é desprezado e demonizado pela mídia.

O Brasil precisa sonhar consigo mesmo.