Aprovada pela Câmara dos Deputados, a autonomia do Banco Central divide opiniões e pode tirar do governo a capacidade de lidar com crises.
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese ) publicou um estudo em que analisa a autonomia do Banco Central (BC), aprovada na quarta-feira (10) pela Câmara dos Deputados. O projeto deve ser sancionado pelo presidente Bolsonaro nos próximos dias.
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Anunciada como solução para intervenções de políticas nocivas, a autonomia do BC já existia, segundo o economista e diretor do Reconta Aí, Sérgio Mendonça: “Nos últimos 25 anos, o Banco Central desfruta de autonomia operacional na prática. Autonomia que foi respeitada por governos de diferentes orientações políticas (PSDB, PT, MDB)”, disse.
“Essa nova lei significa várias coisas: reduzir a soberania popular na medida em que o presidente eleito não poderá demitir profissionais não eleitos (tecnocracia)”, complementa.
Para que serve o Banco Central?
O Banco Central é o principal mecanismo do Governo Federal para fazer política monetária, ou seja, o controle do nível da moeda e do crédito disponíveis na economia. Para tanto, o BC pode mudar taxas de juros, taxas de redesconto e depósitos compulsórios.
Dessa forma, é possível incentivar ou desencentivar que os bancos ofereçam crédito. No mesmo sentido, o BC pode intervir na taxa de inflação e fomentar e retomada econômica e do emprego em tempos de crise financeira.
“O Banco Central é a agência reguladora do sistema financeiro. É uma agência reguladora semelhante à Anvisa (Saúde Suplementar), Aneel (Energia Elétrica) ou a Anatel (Telecomunicações)”, explica Mendonça.
“Todas as agências reguladoras existem para que esses setores (em geral mercados onde operam oligopólios ou monopólios) funcionem bem, garantindo a prestação de serviços e/ou a oferta de bens em boas condições e preços aceitáveis para a população”, complementa.
Com a autonomia, muda-se o cronograma de indicações
Atualmente, a diretoria do BC possui nove membros, sendo um deles o presidente. No mesmo sentido, o presidente da República indica todos os membros no seu primeiro ano de mandato.
Com a autonomia, as indicações seguirão um cronograma, conforme a Síntese Especial publicada pelo Dieese:
- Dois diretores iniciarão mandato em 1º de março do 1º ano de mandato do presidente da República;
- Outros dois diretores iniciarão mandato em 1º de janeiro do 2º ano de mandato do presidente da República;
- O presidente do BC iniciará mandato em 1º de janeiro do 3º ano de mandato do presidente da República;
- Dois diretores iniciarão mandato em 1º de janeiro do 3º ano de mandato do presidente da República;
- Dois diretores iniciarão mandato em 1º de janeiro do 4º ano de mandato do presidente da República.
Outra mudança importante: o presidente da República perde a prerrogativa de trocar diretores do Banco Central, podendo fazê-la somente em casos especiais.
Dessa forma, as posibilidades de troca dos membros ou presidente podem se dar apenas: “a pedido; no caso de doença que incapacite o dirigente para o trabalho; em caso de condenação judicial; ou por desempenho considerado insuficiente, situação em que o afastamento deverá ser submetido à aprovação do Senado”, esclarece o documento do Dieese.
Muda-se o foco do Banco Central
Ao contrário do que se defende, a autonomia do Banco Central não possui apenas critérios técnicos; é uma questão de ideologia. A autonomia tira do presidente da República eleito um dos principais mecanismos de controle da política monetária. Essa política é fundamental para responder os anseios da população em relação ao desemprego, geraçõ de renda, poder de compra das famílias, o combate à desigualdade e o acesso aos serviços públicos.
De acordo com o Dieese, a não coincidência do mandato do presidente do Banco Central com o mandato do presidente da República eleito fará com que o chefe do Executivo fique dois anos sem poder implementar uma política monetária para o qual foi eleito.
“Em termos populares significa institucionalizar que a ‘raposa tome conta do galinheiro’ e que ninguém possa tirar a raposa de lá por algum tempo [dois anos]”, pondera Mendonça. “Será que as galinhas sobreviverão nesse tempo?” provoca o economista.