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A Ressurreição da Lava Jato ou o Desespero do Golpe

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card artigo Mauricio Falavigna

Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.

(Cecília Meireles)

Enquanto as pesquisas continuam a mostrar a preferência por Lula, arruinando anos de trabalho dedicados a sua criminalização, novas estratégias para evitar a sua volta colocam em risco a retomada democrática.

Após diversas tentativas frustradas de construção de um nome competitivo para enfrentar a candidatura petista, após a censura explícita que leva à televisão todos os outros presidenciáveis menos o líder das intenções de voto, após uma série de programas de entrevistas e debates com outros candidatos, após esconder a agenda de Lula no Nordeste e após incentivar manifestações de rua em que outros concorrentes estariam no palanque, parece não ter restado outra alternativa de comunicação de massa. Só restava ressuscitar o espírito da Lava Jato.

Pouco importa a relação causal entre o caos que enfrentamos e a famigerada Força-Tarefa. O punitivismo, que atropelou as regras constitucionais e foi responsável por um dos maiores retrocessos do País na história, continuou com seus lauréis nas gavetas dos maiores meios de comunicação. O ex-juiz Moro foi preservado como um ator de importância na sucessão presidencial, assim como a aura da luta anticorrupção como uma demanda que pode voltar à cena e dominar o debate.

O que se sabe sobre a Lava Jato é simples e claro, já era conhecido muito antes das provas divulgadas na Vaza Jato. A luta moralista e apolítica jamais atendeu ao que se proclamava, apenas aos interesses de uma elite que desejava de volta o controle do governo, aos interesses do grande capital e mesmo do Departamento de Estado dos EUA. Com a parceria do complexo midiático e do STF, avançou como um trator sobre conquistas e direitos sociais. Destruiu empresas nacionais de ponta, liquidou empregos diretos e indiretos, rearranjou o sistema de produção nacional, reduzindo o crescimento aos investidores financeiros e ao agronegócio.

Destruiu os ritos de investigação, acusação e julgamento. Forjou provas e testemunhos, intimidou a defesa, julgou sumariamente. Liquidou a presunção de inocência e perseguiu politicamente membros de um só partido. Esfacelou um governo legítimo e sustentou, com apoio da mídia, o encarceramento da maior liderança popular brasileira por meio de processos forjados, sem provas ou fundamentos. Levou um genocida fascista ao poder.

Se essa trajetória de massacre chegou a despertar fumos de pudores em seus próprios artífices e apoiadores, eles se evaporaram. Candidatos adversários que, em algum momento, se encontraram no campo progressista, retomaram o desserviço à civilização do debate, concentrando ataques a “corrupções” genéricas, as mesmas arquitetadas e amplificadas em investigações e matérias jornalísticas espúrias. O maior grupo de comunicação, que constrói e invoca o discurso a ser disseminado, chegou a transmitir ao vivo um debate entre pré-candidatos do seu partido preferido. Todas as mídias deram normalidade e destaque às falas baixas e atitudes de ogro de um candidato eterno e sem votos, na esperança de impulsioná-lo ao menos nesta eleição.

Até mesmo a última opção eleitoral, o atual presidente, teve sua imagem amenizada em matérias e editoriais nos últimos dias. Afinal, até mesmo a ditadura da irracionalidade e do obscurantismo pode servir. O importante é manter as classes espoliadas sangrando, o trabalho escravo no campo, a fome amoldando o comportamento passivo, a empregada dormindo no serviço em troca de comida e os passageiros das viagens aéreas à vontade entre os seus, os de sempre.

Com o cenário político barbarizado, transformado em um teatro moral e sem esclarecimento de propostas de governo, abre-se a oportunidade de tentar evocar, mais uma vez, o fantasma da Lava Jato. Martela-se na pauta despolitizada da corrupção, termo não definido claramente, apenas vinculado ao setor público e ao PT. Esconderam os Pandora Papers. Promoveram o retorno de Moro e até de Joaquim Barbosa. E lutaram com unhas e dentes contra a PEC 5, que reestruturava a nomeação de membros do CNMP.

Pouco importou se a PEC mal alterava a autonomia do Ministério Público, se em momento algum ameaçou a liberdade de ação de uma instituição que, para além do elitismo conhecido e de sua afeição pelos donos tradicionais do poder, transformou-se um em valhacouto de gangsteres nos últimos anos. Só para Deltan Dalagnol, 42 adiamentos evitaram avaliar qualquer mérito de denúncias acompanhadas de provas. Jamais um membro do MP foi preso ou punido pelo Conselho, com exceção de um estagiário, que esta semana foi o bode expiatório escolhido antes da votação na Câmara.

Mesmo algo tão limitado e constrangido, que apenas visava diminuir a impunidade entre os membros do MP e ser um ponto de partida para evitar o lawfare, sofreu uma pressão midiática que contou com estrelas do mundo pop, jornalistas preocupados com a independência das instituições (ou com a dependência do poder econômico, que não poderia ser colocada em jogo) e com um partido de esquerda, tido como possível aliado do PT à corrida presidencial, que deu os votos necessários à manutenção do status quo.

Mais do que nublar o cenário das próximas eleições, a votação demonstrou que a própria retomada do processo democrático está em risco. Os atores declarados do golpe voltaram a manifestar seu apego ao poder. Mais que isso, ampliaram sua voz, desnudaram os atores silenciosos que promoveram o antipetismo e o horror por governos populares nos últimos anos. O leque foi ampliado e explicitado.

Qualquer acordo ou apoio conquistado pelo PT terá de ser entre o chamado fisiologismo, apelando ao bom senso e aos interesses materiais de lideranças novas ou tradicionais que ambicionem ganhos eleitorais e participação em futura administração. Mesmo Lula sendo o único candidato com apelo popular e chances de derrotar o bolsonarismo logo no primeiro turno. Mesmo com o caos econômico e o avanço da inflação, da pobreza, da fome e da miséria. Mesmo com a sombra do autoritarismo e da violência sobre a sociedade. Nenhuma lição foi aprendida.

Mais uma vez a elite clareou suas intenções: Lula é o alvo, é o que há a ser temido, é quem precisa sair derrotado. E, ao que tudo indica, a construção da resistência e de sua candidatura não passará por uma união com atores e partidos encarados como progressistas, eles se mostram cooptados pelo brilho da mídia e pelos interesses do grande capital. A um ano da esperada e possível eleição, único meio aparente de nos livrarmos do atraso e da barbárie, parece que, ao menos no espectro da esquerda, o PT se encontra isolado.