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Artigo – Quinze anos de Telesur, onde o golpe é golpe

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Imagem do site Recontaai.com.br

Os tuites acima só poderiam ser escritos em outro idioma, em veículos sem circulação significativa por aqui. Os golpes jurídico-midiáticos que destruíram instituições e processos democráticos na América do Sul – Paraguai, Equador, Brasil, Bolívia – não só desnudaram a fragilidade de nossos sistemas, a identidade subserviente e predatória de nossas elites, a postura colonizada de nossos militares e os interesses norte-americanos. Deixaram também explícito que os nossos cães de guarda, os meios de comunicação, são mais leais e sabujos que em qualquer lugar do planeta.

Claro que pode ser alegado que essa é a função das empresas de comunicação, conglomerados imbricados às elites e ao grande capital. Mas em nenhum outro lugar há tanta incivilidade, a ponto de asfixiar completamente o contraditório e insistir em fábulas para esconder fatos simples.

Na Argentina, que resistiu bravamente ao assédio de juízes e promotores públicos, a C5N foi fundamental para essa resistência – e sequer podemos “acusá-la” de um veículo esquerdista. Mas manteve visões do contexto político que rechaçavam a cobertura dos grupos tradicionais. Mesmo o principal grupo conservador de comunicação de lá manteve opiniões e debates que se destacavam da pauta e da cobertura únicas. Em todos os outros países do continente, as declarações de Elon Musk sobre o golpe na Bolívia e as reações da oposição foram destaques na mídia. As interferências dos EUA no Brasil e no continente foram declaradas com clareza pelo Secretário de Defesa americano, e geraram matérias em todos os países.

Não há um grande jornal no mundo que, por mais limites conservadores que apresente, ao tratar de assuntos da América Latina, descarte os intermináveis bloqueios econômicos a Cuba e Venezuela. As barbáries perpetradas pela operação Lava-Jato e pelo juiz Moro são claras a juristas e jornais de todo o Ocidente. Aqui a realidade foi cancelada.

Já no Brasil, todos os grandes meios até hoje se recusam utilizar o termo golpe para qualquer um dos eventos que o mundo assistiu e noticiou na última década. Mais do que isso, construíram uma “oposição” muito específica ao governo Bolsonaro, onde só se veiculam críticas a conteúdos específicos, a maioria deles ligados à família do presidente. A política econômica é defendida como uma “avanço natural” por todas as matérias e opiniões “abalizadas”. As lideranças de esquerda mal aparecem em noticiários, a não ser quando devidamente adestradas à postura das emissoras.

No vazio de ações sociais, somente ações beneméritas privadas são destacadas, enquanto a doação de alimentos pelo MST durante a pandemia, a distribuição de refeições pelo MTST ou as ações do padre Júlio Lancelotti, apenas para apanhar alguns exemplos, são escondidas das manchetes. Todos os conteúdos jornalísticos de todas as emissoras, sem exceção, seguem o roteiro de interesses de todos os envolvidos na quebra institucional brasileira. Após participarem do golpe, refinam a cada dia a formação do pensamento apolítico e colonizado do brasileiro médio.

Por outro lado, a rede Telesur, multiestatal, completou quinze anos de vida no último dia 24 (aniversário de Bolívar). A cobertura atinge as Américas, Europa Ocidental e boa parte da África. O olhar sobre a América Latina é, sim, engajado, mas a qualidade do trabalho e a carga cultural da programação coloca o jornalismo brasileiro em uma posição constrangedora. Há o esforço em moldar um conjunto de noticiários, opiniões e reportagens sob um viés declaradamente de esquerda. A despeito desse engajamento, seu conteúdo é fonte de matérias e informação para jornalistas dos principais veículos mundiais.

E é aí que nosso drama aumenta. No Brasil, ainda teríamos a web e as redes, que reuniriam blogs e jornalistas independentes, que contestariam noticiários da grande mídia e lançariam outra visão sobre o mundo. Certamente para um público limitado e elitizado, mas sendo um respiro, uma fonte de vozes alternativas até mesmo para a mídia internacional. No entanto, a presença de conteúdos dos grupos majoritários (como G1 e UOL) é maciça. E mesmo os jornalistas e veículos independentes preferem seguir a agenda da mídia dominante do que basear suas análises na Telesur, por exemplo.

Repassam muito mais material da Globo, da Folha ou até do Financial Times do que da Telesur, mesmo quando o assunto se refere a América Latina. Criticam-se e se elogiam a si mesmos, destacam uns aos outros, além de cerrar forças pela “liberdade de expressão” (algo tão brasileiro quanto caviar) a qualquer grosseria vinda do Planalto. O corporativismo – e um sempiterno desejo de emprego e reconhecimento – parece limitar qualquer afastamento radical dos grandes veículos.

Enquanto uma Lei de Meios ou a democratização da comunicação não encontra horizonte entre nós, só nos resta parabenizar a Telesur pelo seu aniversário e invejá-la pelo seu trabalho. Pois além da realidade sofrida, ainda temos que acessá-la sob a tutela de onze famílias.