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Quais as consequências de um longo período de baixos juros para a economia brasileira?

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Imagem do site Recontaai.com.br

Sérgio Mendonça*

A economia brasileira convive há muito tempo com taxas reais de juros muito altas (SELIC desconta a inflação). Desde a implantação do Plano Real, em 1994, o país frequenta as primeiras colocações no ranking que compara as taxas básicas de juros das economias centrais e das economias emergentes. 

Desde 2016, no entanto, com a queda da taxa básica de juros, a SELIC, e com o posterior aumento da inflação, o cenário tem sido de queda das taxas básicas reais de juros. É difícil prever como será o comportamento das demais taxas de juros (juros longos dos títulos públicos, taxas nos empréstimos para pessoa jurídica e pessoa física, taxas de empréstimos subsidiados, etc.) para os próximos anos. Mas, como estamos sugerindo, se a taxa básica de juros permanecer muito baixa nos próximos anos, não será desprezível o impacto sobre a economia brasileira.

Os “juros” representam o “preço” do dinheiro, do crédito, da moeda. A moeda é uma mercadoria (a mais importante delas) e é desejada por todos os agentes econômicos. Quando as taxas de juros (a básica e as demais) são muito altas, significa que o custo do dinheiro, ou o custo do crédito e dos empréstimos, está muito alto e as pessoas e as empresas terão dificuldade para emprestar e/ou pagar seus empréstimos no sistema financeiro. Se conseguirem liquidar seus financiamentos, terão transferido parte de suas rendas, salários ou lucros para o sistema financeiro.

Do outro lado do “balcão”, os agentes econômicos que têm dinheiro para investir aplicam os recursos no sistema financeiro. Para esses investidores que administram recursos líquidos, taxas de juros altas permitem valorizar rapidamente seu capital. Nesse caso, juros altos são interessantes para os investidores que têm recursos líquidos ou para as instituições financeiras que emprestam dinheiro, especialmente os bancos. Para os bancos, juros altos são interessantes nas duas pontas. Como emprestadores e cobradores de altas taxas nos financiamentos, e na gestão de seu caixa líquido, na gestão de Tesouraria, aplicando recursos em títulos públicos.

Além dos bancos, dos diversos fundos financeiros (nacionais e estrangeiros) e das grandes empresas com recursos líquidos de caixa, uma parcela da classe média (a mais endinheirada) também é favorável à manutenção de juros altos, pois isso significa elevado retorno para suas aplicações financeiras. 

Por dentro do circuito financeiro

Para entender melhor esse circuito financeiro: essas aplicações realizadas por pessoas físicas, empresas e instituições, no sistema financeiro e nos bancos, são lastreadas, predominantemente, nos títulos de dívida pública. São aplicações seguras e líquidas, ou seja, podem ser resgatadas a qualquer momento e têm liquidez semelhante ao dinheiro. 

Os bancos, os fundos financeiros (fundos DI, por exemplo), os fundos de pensão, os ricos e a classe média endinheirada financiam direta ou indiretamente o Tesouro Nacional. Os bancos, na gestão cotidiana de Tesouraria, podem aplicar recursos em títulos do governo. As empresas e as pessoas endinheiradas podem aplicar recursos através dos bancos e instituições financeiras (distribuidoras e corretoras de valores) ou, no caso das pessoas físicas, desde 2002 existe a possibilidade de investirem diretamente em títulos da dívida pública federal, por meio do Tesouro Direto. 

As aplicações desses recursos têm como referência de valorização as taxas de juros dos títulos públicos, seja a taxa básica de curto prazo (SELIC), sejam as taxas de títulos mais longos de maior prazo (10 anos, 20 anos). Quanto mais alta a SELIC, maior a rentabilidade. O inverso, como ocorre atualmente, também é verdadeiro. Juros baixos representam menor rentabilidade.

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A gestão da dívida pública no Brasil em tempos de juros básicos muito altos tornou o Brasil um verdadeiro paraíso fiscal. Aplicar em títulos públicos, com alta rentabilidade e baixo risco, que podem ser vendidos a qualquer momento e garantem liquidez para seus proprietários, fez do Brasil um país desejado pelos donos do dinheiro. Ganhar muito dinheiro e não correr riscos! Quem prefere outro país para aplicar seu dinheiro? 

No contexto econômico brasileiro das últimas décadas não seria razoável esperar que os investidores aplicassem a maior parte dos seus recursos líquidos em atividades de maior risco. Isso porque eles dispunham de alternativas de aplicações de baixo risco e alta rentabilidade como os títulos da dívida pública. 

E aí volto à pergunta do título desse artigo: qual o impacto para a economia brasileira se a taxa básica de juros (SELIC) permanecer baixa por um longo período de tempo, algo que não ocorreu nas últimas décadas? O que farão esses investidores, pessoas e instituições nesse cenário de taxas baixas?

Tudo leva a crer que os aplicadores serão obrigados a diversificar suas aplicações para outras áreas, correndo mais riscos do que hoje. Aplicarão parte do seu dinheiro em investimentos produtivos no Brasil e no exterior, em ações e títulos privados ou em outras moedas (dólar, euro, cripto-moedas). Ou, alternativamente, se não quiserem correr riscos, terão de se resignar com aplicações de baixa rentabilidade ancoradas nos títulos da dívida pública em função da queda da SELIC.

Outro impacto provável será o crescimento do mercado de capitais (bolsa de valores) para a capitalização das empresas, por uma razão muito simples: os investidores estarão em busca de aplicações de maior retorno. E terão de arriscar comprando ações de empresas que estejam dispostas a abrir e expandir seu capital. 

No cenário mais relevante para a retomada do desenvolvimento do Brasil, os investidores aplicarão parcela dos recursos na economia real, investimentos que dinamizarão as atividades produtivas, gerarão emprego e renda e pagarão mais impostos.

*Economista e diretor do Reconta Aí