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Artigo – Também precisamos aprender a lidar com o sofrimento

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Imagem do site Recontaai.com.br

Em artigo para o Reconta Aí, Gabriel França fala sobre a necessidade de aprender a lidar com o sofrimento e seguir com escolas fechadas.

Com pequenas diferenças entre regiões do País, as aulas presenciais estão suspensas nas escolas públicas há cerca de 7 meses. Nesse período, profissionais da educação, estudantes das mais variadas idades e familiares precisaram enfrentar uma realidade absolutamente inédita e, assim se espera, única na história da educação do país: uma Educação à Distância (EAD) improvisada. Nela os espaços públicos e privados se misturam, com uma completa reorganização de horários, rotinas e práticas de ensino e de aprendizagem.

Não há dúvidas que as medidas de isolamento social foram importantes para mitigar o avanço da pandemia da Covid-19. E, por se tratarem de espaço de aglomeração e contato entre pessoas, as escolas ocuparam papel fundamental nesse processo. Se as aulas presenciais não tivessem sido suspensas, o contingente populacional em circulação nas cidades seria muito maior, o que resultaria em um índice de contágio do coronavírus ainda mais escandaloso.

Mas a ausência do espaço da escola no dia-a-dia da população tem custos diversos: pedagógicos, familiares, de socialização das crianças e de identidade profissional dos professores, para citar apenas os mais evidentes. Foi necessário reorganizar completamente o funcionamento da vida cotidiana para abarcar essa realidade, o que impactou diretamente a vida das pessoas afetadas pela situação.

No entanto, e é importante ressaltar: trata-se de uma realidade transitória, ainda que não saibamos quando terá fim. Todos os problemas que podem eventualmente decorrer dessa situação precisam ser entendidos dessa forma, e não como problemas definitivos ou terminais.

Sofrimento x O que precisa ser feito

O discurso oficial, de norte a sul, parece extremamente preocupado com apresentar garantias quanto ao aprendizado das crianças e dos jovens em situação de isolamento. Os governantes vão a público relatar as compras e os contratos com empresas de tecnologia, os mecanismos de controle criados e as possibilidades midiáticas que foram implementadas. Embora esse discurso esteja presente inclusive dentro das famílias, que exigem que seus filhos alcancem excelentes resultados escolares mesmo nessas condições, o aspecto que mais tem incomodado os familiares de crianças e jovens é outro: os impactos emocionais do isolamento social de crianças e jovens.

A psicanalista Maria Cristina Kupfer, em entrevista muito instigante à Folha de São Paulo, dialoga diretamente com esse sentimento. Para ela, “não há uma relação direta de causalidade entre pandemia e transtorno mentais, depressão, angústia. Se aparecem transtornos é porque estavam ali, já havia algo em potencial. Falam em traumas porque a criança não vê seus amigos… A ausência de um amigo é triste, mas temos de aprender a lidar com a tristeza.”

Com mais de 150 mil mortes no país pelo coronavírus, a suspensão das atividades escolares presenciais se mostrou uma atitude correta. Os impactos na vida escolar não são nem permanentes nem irrecuperáveis, e boa parte deles serão superados assim que houver condições de retorno às atividades no espaço da escola.

Por outro lado, algumas das questões que têm sido apresentadas pelas crianças e jovens em isolamento social não são novidade para quem trabalha em escola. O sofrimento psíquico está presente no cotidiano escolar, faz parte do funcionamento da escola. Como diz a psicanalista Maria Cristina Kupfer, a escola é feita para “suportar o mal-estar”. Só que com a suspensão das atividades escolares presenciais, o mal-estar precisa ser suportado de novas formas.

Temos, como sociedade, que aprender a lidar com o sofrimento e, neste momento, com o sofrimento amplificado pela situação de isolamento social. Crianças e jovens estão enfrentando uma situação absolutamente inédita e os familiares estão aprendendo a lidar com esse “novo normal”. Não há dúvidas que é um momento muito difícil e desafiador. O que não podemos perder de vista é que essa é uma situação extraordinária e transitória, e que, embora não pareça, vai ter fim.

Gabriel Vicente França é Professor na Prefeitura Municipal de São Paulo, Mestre e doutorando em educação pela Faculdade de Educação da USP.