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Por que os bancos lucram tanto no Brasil

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Imagem do site Recontaai.com.br

A Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, entidade querepresenta os interesses do sistema bancário no Brasil, divulgou um estudo, emdezembro de 2018, com o seguinte título: “COMO FAZER OS JUROS SEREM MAIS BAIXOSNO BRASIL”.

Na página 47 desse estudo apresenta uma tabela comparando a rentabilidade do sistema bancário em 13 países. Países desenvolvidos e países emergentes. A rentabilidade[1] dos 5 maiores bancos brasileiros aparece em 2° lugar nessa amostra. Embora afirme que a rentabilidade dos bancos no Brasil esteja em linha com a dos países emergentes, o próprio estudo confirma a alta rentabilidade do setor na comparação internacional.

Nessa mesma tabela observa-se que a rentabilidade nos EUA foide 8,1%, exatamente a metade da nossa. No Reino Unido foi de 1,5% e na Alemanhafoi de 1,4%! Isso mesmo: 1,5 e 1,4% nesses dois países desenvolvidos.

O Bradesco divulgou, no dia 25.04.19, o balanço do primeirotrimestre de 2019. A rentabilidade atingiu o patamar de 20,5% ao final demarço. O maior patamar em 15 trimestres! No mesmo período em que a economiabrasileira está crescendo (se é que está mesmo) em torno de 1 a 1,5%.

Não há como não indagar: como é possível que um dos maioresbancos brasileiros lucre tanto com a economia brasileira indo tão mal?

A resposta, ou as respostas, porém, não são de hoje. Hámuitos anos os bancos brasileiros têm alta rentabilidade ou lucratividade.Lucram muito no jargão popular.

Para tentar entender por que isso é assim, vamos destacar asprincipais causas que explicam o lucro dos bancos no Brasil.

QUAIS AS RAZÕES DOS ALTOS LUCROS DOS BANCOS NO BRASIL?

A receita dos bancos provêm de três principais atividades: 1.a intermediação financeira (a atividade principal de um banco comercial, queconsiste em captar recursos no mercado e aplicá-los, emprestando-os para ostomadores); 2. as aplicações do caixa líquido, ou o que se denomina os ganhosde tesouraria (por exemplo aplicação em títulos públicos); e 3. as receitas detarifas e prestações de serviços.

Segundo estudo do DIEESE, em 2017[2]os bancos apresentaram os seguintes indicadores:

Indicadores – 2017 Valores   Ativos Totais Patrimônio Líquido Operações de Crédito Receitas com Operações de Crédito Resultado com Títulos e Valores Mobiliários Despesas com Captação no Mercado Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa Resultado Bruto da Intermediação Financeira Receitas de Prestação de Serviços e Tarifas Despesas de Pessoal + PLR Resultado Operacional Imposto de Renda e CSLL   Lucro Líquido Total     6,0 trilhões 468,9 bilhões 2,8 trilhões 366,8 bilhões 198,9 bilhões   295,6 bilhões 100,6 bilhões   183,8 bilhões   126,4 bilhões   98,3 bilhões 99,0 bilhões 21,4 bilhões   77,4 bilhões

As Receitas de Tarifas e Prestação de Serviços, p,ex.,o que os correntistas pagam no pacote de serviços que o banco oferece, sãoutilizadas para custear as despesas administrativas dos bancos (salários,encargos sociais e demais despesas administrativas). Em 2017 essas receitasatingiram 126,4 bilhões. As despesas de pessoal foram 98,3 bilhões.

As outras duas receitas, intermediação e tesouraria explicama maior parte do lucro dos bancos.

As de intermediação financeira (operações de crédito)foram de 366,8 bilhões. As de Tesouraria (aplicações em títulos) chegarama 198,9 bilhões.

Como os juros básicos praticados pelo Banco Central no Brasil(a taxa Selic), são muito altos há muito tempo, embora atualmente estejam noseu menor patamar, 6,5% ao ano, os bancos brasileiros têm uma fonte segura deganhos nessas operações que envolvem títulos públicos da Dívida MobiliáriaFederal ou, da Dívida Pública, como é mais conhecida. 198,9 bilhões em2017!

Resta analisar a terceira fonte de receita dos bancos. Que é,na verdade, aquela que responde pela atividade principal dos bancos, a intermediaçãofinanceira ou as receitas de operações de crédito. Ou seja, o que os bancosganham na diferença entre o que pagam para captar recursos dos clientes(pessoas físicas e empresas) e na aplicação desses recursos para os tomadoresde empréstimos. Elas atingiram 366,8 bilhões em 2017.

Agora vamos olhar o papel das taxas de juros e daconcentração bancária na explicação da rentabilidade bancária. Como sabemos, os5 maiores bancos brasileiros têm uma participação de mais de 70% do mercadobancário brasileiro. Diversos indicadores mostram isso: ativos, depósitos evolume de crédito. Por ser muito concentrado, o mercado é fortementeinfluenciado pela atuação dos grandes bancos, incluindo os 2 grandes bancospúblicos (Caixa e Banco do Brasil).

As taxas de juros praticadas nas diversas modalidades deempréstimos, como se sabe, são altíssimas no Brasil. Na verdade, as taxas dejuros dos empréstimos são definidas pelos spreads, ou seja, a diferençaentre o que é pago aos clientes na captação de recursos e o que é cobrado dostomadores de empréstimos na aplicação dos recursos dos bancos.

Na comparação internacional, os spreads são muitoaltos no Brasil. Mesmo quando os bancos captam recursos pagando taxas maisaltas aos clientes (quando a taxa básica de juros está mais alta), elesemprestam esses recursos a taxas ainda mais altas, garantindo enormelucratividade nessas operações.

A Febraban argumenta que os altos spreads praticadosno Brasil são definidos pelos impostos (21,4 bilhões em 2017), poraspectos regulatórios (p.ex. a recuperação de bens financiados, o cadastropositivo, etc.) e, sobretudo, pela alta inadimplência (100,6 bilhões deprovisão em 2017)[3].O apetite dos bancos brasileiros pela alta lucratividade não é a principalcausa dos altíssimos lucros(!), na visão da Febraban. As causas principaisdesses lucros extraordinários não reside nos bancos mas, sim, fora deles.

E como foi visto acima, faça chuva ou faça sol, comcrescimento econômico, estagnação ou recessão, os bancos sempre lucram muito!

É bem aceitável o argumento da Febraban que, apesar do altograu de concentração bancária no Brasil, os bancos competem entre si, Contudo,observa-se nos últimos anos (ou décadas) que essa competição não tem sido capazde diminuir os spreads e as taxas de juros no Brasil. A explicação maissólida, tudo indica, é dada pelo forte poder econômico desse oligopóliobancário.

Finalmente é importante comentar o papel dos bancos públicosno Brasil. Ao invés dos bancos públicos “correrem” atrás do desempenho dosgrandes bancos privados, em termos de rentabilidade e lucratividade, elesdeveriam atuar como reguladores desse mercado, pelo peso e importância que têm.Regular “puxando” para baixo as taxas e os lucros. Essa experiência já ocorreubrevemente no período pós-crise de 2008. Caixa e BB atuaramcontra-ciclicamente, baixando taxas e ofertando crédito, num momento em que osbancos privados atuaram pró-ciclicamente, cortando crédito e mantendo taxasaltas.

Os bancos públicos são fundamentais tanto na execução depolíticas sociais, como na oferta de linhas de crédito mais baratas(imobiliário, agrícola, estudantil, pequenas e média empresas, créditopessoal). Atuando assim seus lucros serão menores? Provavelmente sim. Porém,atuando assim os bancos públicos induziriam os bancos privados a praticaremtaxas de juros e spreads mais aderentes à economia real e,provavelmente, forçariam a queda das taxas, dos spreads e dos lucros.

É evidente que a atuação dos bancos públicos depende deorientação geral da política econômica do governo federal. Mantida apenas alógica bruta do mercado, com seus próprios critérios de avaliação, eventuaistaxas menores de rentabilidade dos bancos públicos serão associadas àineficiência do setor público. É preciso enfrentar essa “ditadura” do discursodo mercado no que diz respeito ao papel dos bancos públicos em geral, e àquestão da rentabilidade, em particular.

Atualmente caminhamos para o pior dos mundos. Os bancospúblicos atuando cada vez mais como bancos privados. Perseguindo arentabilidade daqueles bancos. E abandonando aos poucos seu papel estratégicona economia brasileira, no fortalecimento das políticas sociais e na promoçãodo desenvolvimento.


[1]Médiado Retorno sobre o Patrimônio Líquido dos cinco maiores bancos no período2012/2016 em %.

[2]Desempenhodos Bancos – 2017. O estudo com os dados de 2018 sairá em breve.

[3]Lembremos,analogamente, da propaganda da bolacha Tostines: “Os juros são muito altosporque a inadimplência é alta, ou a inadimplência é alta porque os juros sãoextorsivos!”