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Pão do Povo da Rua: projeto leva comida e dignidade a moradores de rua da capital paulista

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Pão do povo da Rua

Em meio à rotina frenética do bairro da Luz - centro de São Paulo - com suas lojas de noivas, igrejas antigas, pessoas em situação de rua e imigrantes, está cravada uma padaria diferente. Fechada ao público e aberta aos que necessitam, está o projeto Pão do Povo da Rua.

No galpão alugado, com fornos e máquinas frutos de doações, o professor universitário de gastronomia Ricardo Frugoli criou uma padaria que apesar de poder fazer até três mil pães por dia, não vende nenhum. Todos os produtos - cinco tipos de pães e bolos - são distribuídos gratuitamente para quem não tem casa.

A história

De acordo com Valéria Jurado, voluntária do projeto e jornalista, o Pão do Povo da Rua começou com outro projeto de Frugoli, o Marmita Solidária. Ela conta que no início da pandemia de Covid-19, por volta de abril de 2020, o professor começou a fazer marmitas em sua própria casa.

Porém, verificou que as marmitas eram insuficientes para aplacar a fome de tantas pessoas em situação de rua e, após ganhar equipamentos industriais de panificação, entrou em contato com o Padre Júlio Lancellotti pelas redes sociais. "Eles não se conheciam", relatou Valéria Jurado, explicando que o trabalho já realizado pelo padre fez o professor pedir um espaço começar a nova produção.

Padre Júlio ofereceu, então, a cozinha da Casa de Oração do Povo da Rua, local em que ele coordena a Pastoral do Povo de Rua.

A produção

"Nisso, o Ricardo começou a fazer os pães lá, para distribuir nos locais onde o Padre Júlio ajudava", relembra Valéria. Entre a Casa de Oração, a cracolândia, a Luz e outros locais em que muitas pessoas em situação de rua vivem, nasceu mais uma necessidade: a de tirar pessoas da rua e qualificá-las profissionalmente. Sair do atendimento apenas da emergência - que conforme explica Valéria, é importantíssimo - para oferecer uma vida mais estável.

A jornalista relata que em 8 meses, com a contratação de mais pessoas para ajudar na padaria e o aumento da produção, foi necessário conseguir um espaço maior. Essa necessidade culminou no aluguel do prédio atual, que conta com três andares que abrigam a padaria, um refeitório, uma sala de aula, estoque e a moradia que serve a algumas das 14 pessoas contratadas. Vale ressaltar que os atendidos pelo projeto do professor Ricardo são qualificados, contratados e possuem alojamento, não só no prédio principal, mas também em apartamentos alugados na região.

Quem faz o pão

"Homens, mulheres, trans, gays, pessoas de religiões diversas e em tratamento contra a dependência", informa Valéria sobre as diversas histórias que levaram cada um dos acolhidos ao projeto social. Também há diversidade etária entre padeiras e padeiros: "temos acolhidos de 21 a 50 anos", explica a voluntária.

Entre eles, há uma artista trans que puxa a cantoria durante o trabalho - no repertório, música nacional para ser cantada "com a alma"; um homem que mora com sua companheira e um filho em uma ocupação; e jovens que saíram direto da fila da fome para o projeto.

Há também trabalhadores e voluntários que conhecem Ricardo de outros projetos sociais, assim como jovens que querem ajudar de alguma forma ou mesmo apresentá-los ao mundo, como uma equipe de documentaristas, que acompanhava o trabalho desenvolvido.

Pão do Povo da Rua e outros pães

O Pão do Povo da Rua é o carro chefe da produção. Ele foi pensado pela padeira Adriana Lima para oferecer mais saciedade às pessoas em insegurança alimentar. Mais denso, o pão possui em sua formulação cacau e farinha integral, sendo equivalente, em termos de nutrição, a quatro pães comuns.

Mas a mente inquieta de Ricardo e as ideias de seus padeiros acabaram criando um cardápio maior: o pão de milho, o pão de malte - feito com resíduos de uma cervejaria - e o pão Dulce, feito a pedido do Padre Júlio para homenagear Santa Dulce dos Pobres.

Além dos pães, há os bolinhos, uma saída encontrada pelo padeiro para aproveitar a doação de farinha não profissional. As receitas de bolinhos variam e estão inspiradas em receitas de mulheres que alimentaram muita gente, da Dona Zica, do Rio de Janeiro, à mãe de Ricardo.

O Pão do Povo da Rua se multiplicou

Com a saída de Ricardo e sua padaria da Casa de Oração para um prédio maior, a cozinha do Padre não ficou desguarnecida. Atualmente funciona uma padaria mais modesta, que também faz pães para a doação e também qualifica pessoas em situação de rua.

Assim, o Pão do Povo da Rua que sai dos fornos ganhados por Ricardo não alimenta apenas as obras do Padre Júlio, mas também outros endereços onde se formam as filas da fome, além de ocupações e movimentos sociais. "Fomos para outros cantos da cidade que também precisam desse fortalecimento", explica Valéria.

Quem paga o pão?

De acordo com Valéria, há apenas um doador fixo no projeto. Anônimo, ele colabora com R$ 20 mil por mês e viabiliza um terço da produção. Porém, para aumentar o projeto é necessário ter mais. Atualmente, Valéria busca doações nas redes sociais e entre conhecidos. Além do dinheiro, que é utilizado para comprar ingredientes industriais, há os que doam produtos como farinha comum, fubá, ovos, leite e banana. Com o aumento dos preços do gás e do combustível, o dinheiro vem acabando com mais rapidez, segundo um dos profissionais que auxiliam Ricardo.

O futuro do pão

O crescimento do projeto, seja pela quantidade de pessoas com fome, seja pela necessidade de qualificar e empregar mais pessoas, só esbarra hoje pela falta de financiamento constante. Contudo, outras alternativas são aventadas para que o projeto não pare. Entre elas, há a possibilidade de venda de parte da produção para os que desejam colaborar.

Com o dinheiro das vendas, Valéria acredita que o projeto social pode, no futuro, se bancar sozinho.