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Os Primeiros Desafios

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Nova ou restaurada, a República vai voltando à cena, atuando dentro de credibilidades e limites jurídicos que tentam se restabelecer. E os primeiros desafios tateiam sua vocação para crises dentro da mídia corporativa, ainda baqueada pela vitória improvável de Lula contra forças legal e ilegalmente aglutinadas e utilizadas pelo governo então vigente.

Vários discursos emergiram sobre a correnteza, procurando direcionar os cardumes. Com o fascismo admitido e apregoado a contragosto, a “vitória da democracia” foi o primeiro mote, visando impedir um governo “excessivamente petista”. Enquanto havia apenas cinco ministros anunciados, dois deles petistas, já se gritava contra o excesso partidário. Com 21 ministros nomeados, o novo governo mostrou que soube superar ameaças e tentativas de moldagem prévia. Procuraram insuflar queixas de representatividade, este fantasma que absorve o único progressismo possível para o pensamento liberal. Muito rapidamente o murmurinho foi absorvido pela equipe de governo, com nomeações de um simbolismo incômodo aos antigos dirigentes, mas que teriam de receber o sorriso amarelo dos apresentadores e comentaristas mais proeminentes. Até mesmo o debate insano e irracional sobre a corrida eleitoral de 2026 e o nome de uma antipetista de confiança, sem uma história condizente com os desejos políticos e sociais que elegeram um governo popular, já parece esvaziado e habilmente resolvido. A aprovação da PEC da Transição mostrou um acúmulo de vitórias políticas que tonteou o mais empedernido dos críticos ao novo governo.

Mas uma tecla continuará sendo tocada com força. Foram quatro anos de uma oposição midiática tão falsa quanto boatos no Zap. Criticava-se a incompetência e os maus modos, mas o “legado liberal” dos anos do golpe, incluindo aí o período Temer, precisava ser salvo do naufrágio. E agora os salva-vidas aparecem, prestando socorro. A expectativa de algumas mudanças faz com que todo um exército se reagrupe e confira suas armas, reposicionando-se para salvar o que se conquistou nos últimos anos. Afinal, o Brasil mudou.

Podemos rascunhar um breve esboço do legado que modernizou o Brasil, segundo as manchetes e análises de política e economia que invadem o seu lar. Sempre seguindo, além de alguns parâmetros lógicos e sociais, as exigências de equilíbrio fiscal tão caras ao mercado e à mídia.

O aplaudido teto de gastos foi arrombado ao bel prazer, sempre com justificativas de crise social e, coincidentemente, em períodos anteriores a eleições. Um passivo fiscal de cerca de R$400 bilhões incluiu o calote nos precatórios, falta de dinheiro previsto para honrar compromissos de dezembro mas, ao menos, garantiu uma luxuosa campanha eleitoral, que chegou às raias da ostentação, incrementando a compra de votos de maneira inédita. Não iremos falar de quanto o Orçamento Secreto sugou das contas públicas pois, ao menos para o Legislativo e para alguns Estados importantes da Federação, ele cumpriu o seu papel.

Batemos o recorde de juros da dívida, mais de R$590 bi no ano passado, número tão criticado nos anos petistas, provando que eram que não tinham tamanha ambição.

Nas relações trabalhistas, uma flexibilização – o nome já soa positivo – que privilegiou o capital em detrimento do trabalhador em níveis que, se prosseguem soltos, levarão a sociedade brasileira e rememorar o período colonial. Já o abandono da Infraestrutura, os privilégios ao agronegócio e a desindustrialização nos trouxeram de volta os fumos da nostálgica República Café com Leite.

A redução do Estado transformou o que conhecíamos até aqui em um balcão de negócios, onde a privatização atingiu toda as áreas sociais. Privatização que também atingiu os dividendos da Eletrobras e da Petrobras, socializando seus custos (é um momento de sacrifício) e anulando qualquer papel desenvolvimentista das estatais. Usinas térmicas passaram a ser mais utilizadas que antes. Dirigentes que facilitaram privatizações e tanto suaram e se esfalfaram por isso, ganharam o merecido prêmio de se tornarem executivos das empresas compradoras.

O esvaziamento do Estado incluiu a destruição da base de dados, de indicadores e das próprias políticas públicas. Dessa forma, quando um pix eleitoral disfarçado de programa social foi implantado, o Auxílio Brasil, gerou uma fila de mais de 120 mil famílias sem benefícios, mas também ajudou milhares de cidadãos espertos, fardados ou bem nascidos.

A tão bem vinda (ufa!) autonomia do Banco Central nos fez conhecer o modo contemporâneo de consultar banqueiros e estrelas do sistema financeiro antes de cada decisão, que visam manter seus lucros e permitir a evasão para paraísos fiscais.

O resultado dessa gestão em áreas de menor importância, como a Educação ou a Saúde (em tempos de pandemia e de um morticínio no qual nos destacamos), foi a ausência, segundo a equipe de transição, de mais de R$23 bi para os gastos com o SUS logo no ano que vem. Vacinas também não tiveram seus gastos reservados para 2023, ninguém sabe se serão necessárias. Universidades e Institutos Federais tiveram seu orçamento cortado em 90%, otimizando o dinheiro dos seus impostos e reduzindo os gastos correntes até mesmo em papel higiênico. Não se faz farra com dinheiro público.

Por fim, o lado de quem só consegue ver o copo meio vazio. Hoje voltamos ao Mapa da Fome. São 33 milhões de brasileiros sem comida. Mais de 150 milhões de brasileiros passam algum tipo de insegurança alimentar.

Descartando a ironia, a grande mídia já mostrou que, por pior que seja o momento, sua missão é continuar lutando para manter as rédeas da Economia nas mãos do setor financeiro. Vale lembrar que já tolerou a convivência com um governo fascista por quatro anos, bastou esse arcabouço não ser questionado.

Não teremos um tempo de namoro entre mídia e governo, como ocorreu em 2003. Vem selvageria por aí.