“Eu não vim aqui responder para o candidato. Vim falar com o povo brasileiro.” Lula, após os agradecimentos à emissora e à sociedade, portou-se com agressividade e uma ironia digna, demonstrando uma diferença de nível que poderia ser reconhecida em qualquer parte do Globo. O adversário entrou perguntando e agredindo, assumindo a posição de vítima do sistema que construiu por toda a sua administração. “O sistema todo está contra mim”. Passou-se por vítima e ofendeu a todos, Globo, Bonner, STF, Nordeste, favelas....
Mentiu a cada fala, sem pejo, como já se sabia. Salário mínimo, 13o salário, hora extra, férias. Inserções nas rádios, Roberto Jefferson. Não entrou no debate novamente. Apenas veiculou sandices e ouviu um Lula mais incisivo sobre golpe, juiz mentiroso, Lava Jato criminosa, dinheiro vivo no bolso da família, ameaça de prisão após as eleições.
Lula percebeu e travou o debate. “Não cheguei a essa idade para ouvir bobagens de alguém que se diz presidente da República”. Recusou-se a dar ouvidos à quantidade de números e informações dignas de youtubers foragidos que saía da boca presidencial. Não eram aquelas mentiras que, habitualmente são atribuídas a políticos e figuras públicas de todo o mundo. Eram uma miscelânea de teorias da conspiração, dark web e comentaristas políticos da Jovem Pan. Talvez a melhor estratégia foi deixar o presidente dizer que nunca tudo esteve tão bem no país, especialmente a economia. Lula martelou sobre a fome logo a seguir. Ali ficou explícito o grupo social que seu adversário representava: investidores rentistas, amigos de Paulo Guedes e seus cães de guarda, os únicos a louvarem os números atuais e transformá-los em benesses para os trabalhadores e excluídos.
No mais, a irritação tanto de Lula quanto de seus eleitores só pôde testar seus limites. Todo o desserviço prestado por esses debates já foi aqui esmiuçado. Comparecer a um evento nesses moldes – onde qualquer pessoa pode falar o absurdo que lhe aprouver – só serve para afastar a sociedade da política, e reforçar os mitos negativos a respeito da participação cidadã. De alguma forma, os debates organizados pelas emissoras acompanharam o movimento de décadas que visou afastar o público dos temas públicos e desmoralizar a política e seus atores. Como este movimento contínuo gerou a própria aberração que hoje se encontra na Presidência, não há como um debate gerar a politização e arejar o debate público de ideias.
A ascensão fascista teve um efeito descrito como um esgoto transbordando pelos esgotos. Nossa esperança é que o inferno acabe no dia 30. Para começar tudo do zero. Serão novos problemas, novas lutas, novos obstáculos. O obscurantismo, o séquito de fanáticos por Deus, Pátria e Família estarão nas ruas, como em um mundo paralelo. Não será possível fechar as tampas dos bueiros, eles ganharam corpo e número. Mas a realidade poderá jogá-los de volta à marginalidade.