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O Que Você Vai Ser Quando Você Crescer? - o inferno do trabalhador

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Falamos muito na uberização do trabalho, no decantado empreendedorismo, na informalidade. Mas começamos 2022 com anúncios de que o desemprego havia recuado, cerca de 8,2 milhões de pessoas conseguiram uma vaga de trabalho formal no espaço de um ano. No entanto, além do desemprego continuar alto, os números também mostram que a renda média do brasileiro encolheu em quase 10%. Os empregos criados foram precários, em ocupações que geram até dois salários mínimos. Para completar o cenário, a inflação crescente pressiona ainda mais o trabalhador.

Mas quem é esse brasileiro que conseguiu um emprego registrado, o que ele faz?

O Brasil possuía 40,8 milhões de vagas formais no início deste ano, segundo dados do Ministério do Trabalho e da Previdência. Quase 13 milhões delas resumem-se as dez profissões mais comuns no Brasil, e somente quatro delas alcançam rendimentos maiores do que dois salários: professor, assistente administrativo, auxiliar de enfermagem e motorista de caminhão. Entre as dez vagas mais ofertadas nesta ano de “retomada”, faxineiros e auxiliares de escritório são os duas empregos mais contratados.

Auxiliares de escritório, faxineiros, vendedores de comércio varejista, serventes de obras, alimentadores de linha de produção e operadores de caixa estão entre as seis atividades mais exercidas no Brasil. Não há qualquer problema nessas atividades em si. Mas, para além de serem empregos de baixa qualificação e baixa renda, há problemas de desenvolvimento e futuro que saltam aos olhos.

Nos países de maior renda, empregos mais ofertados são mais qualificados e geram maior renda. Por mais que também haja uma predominância no setor de serviços, são estruturas de produção altamente intensivas em tecnologia, exigindo alta qualificação da mão de obra e, por consequência, pagando altos salários por isso. Nosso caminho para essa realidade está cada vez mais longo, já que, por opções dos governos pós-golpe, abandonamos setores que operavam na fronteira tecnológica e nos dedicamos à produção de commodities.

Vale lembrar que, por trás deste novo cenário, há ainda o desastre da reforma trabalhista, que tornou o Brasil, segundo o Global Rights Index de 2021, o terceiro pior país do mundo para trabalhadores, devido à ausência de garantias e legislação que os protejam, violações dos parcos direitos e as regras de negociações que só favorecem aos patrões.

Deixamos de investir em pesquisa e formação científicas, sucateamos as estatais e quebramos empresas nacionais que absorviam e desenvolviam tecnologias, vimos mecanismos de ingresso no ensino superior e possíveis ascensões sociais serem continuamente barrados nos últimos oito anos. Sob qualquer ponto de vista, perdemos em pouco tempo sonhos individuais e coletivos, e retrocedemos umas boas décadas. E ainda voltamos a garantir o crescimento de uma massa esfarrapada, o lumpemproletariado que pouco conta para a produção ou realização de valor, mas, ainda lembrando 18 Brumário, suscetível a figuras públicas violentas que parecem negar, por imagem e discurso, o sistema que os oprime.

Voltamos a uma situação descrita por Robert Kurz no final do século passado, em que o sofrimento das massas não passa só pela exploração capitalista do trabalho produtivo, mas também a ausência dessa exploração, que gera “sujeitos-dinheiro sem dinheiro”, subcidadãos que caminham para um “leprosário social”, sem encaixe em qualquer forma de organização que permita a luta para escapar do afogamento cotidiano, tirar a cabeça para fora e respirar.

Saímos de um caminho que propiciou a parcelas crescentes da sociedade se desenvolverem com aquisição de conhecimento, com a garantia da mínima dignidade e com esperança de bordejar a civilização. Recuamos à tradição escura e densa da noite que nos formou, onde ver a luz do dia foi, quase sempre, um privilégio de origem. As eleições do final do ano trazem, acima de tudo, a esperança de um primeiro passo em busca da retomada de um caminho de exceção em nossa trajetória como País. Sonhar com o que seremos ao crescer, é algo que hoje nos falta como cidadãos e como sociedade.