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O impeachment é uma possibilidade real

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Imagem do site Recontaai.com.br

Foto: Isaías Teixeira

Entre a eclosão de protestos contra o governo, crise entre os poderes da República e uma pandemia, Marcos Nobre analisa a possibilidade de impeachment do presidente Bolsonaro.

Marcos Nobre, professor do departamento de Filosofia da Unicamp e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), acredita que o impeachment de Bolsonaro é uma possibilidade real. No mesmo sentido, acredita que a reação a ele, inclusive armada, também pode acontecer.

Em evento promovido pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, o professor afirmou que estamos em um momento conturbado da História, “o ano 12 da crise do sistema neoliberal”. Ao mesmo tempo, enfatiza: “Segurar a democracia é tudo nesse momento”.

Marcos Nobre imergiu na cultura bolsonarista, nos caminhos que o governo trilhou até agora e nas possibilidades futuras da democracia brasileira.

O que fez com que Bolsonaro tenha tomado as atitudes que tomou?

Em primeiro lugar, o professor afirma que “tentar pensar como Bolsonaro não é fácil, pois é repugnante”; contudo, afirma ser um esforço necessário.

Porém, segundo ele, é preciso entender o contexto em que surgiu o bolsonarismo e a reação da sociedade aos primeiro passos do governo. Para tanto, analisa que a partir de março, com a divulgação de três pesquisas do IBOPE referentes aos primeiros meses do ano, foi possível observar que a sua base de apoio seguia em torno de 30%.

Assim, Bolsonaro foi um dos únicos governantes que não teve melhora nos seus índices de aprovação durante o enfrentamento à pandemia. Desse modo, avaliou que não conseguiria melhorar sua imagem por suas ações para enfrentar a Covid-19.

Portanto, a saída encontrada pelo presidente, segundo o professor, foi se refugiar em sua base. De antemão, fez um movimento defensivo porque viu que estaria a poucos meses de um impeachment.

Núcleo Duro

Para além do 1/3 da população que apoia o presidente, existe um núcleo mais fiel. O chamado núcleo duro de Bolsonaro tem em torno de 12% a 16%, segundo os cálculos de Marcos Nobre.

Essa base é a mais fanática, aceita teorias da conspiração, remédios milagrosos e coisas do tipo. À primeira vista, como todo líder populista, Bolsonaro é contra o sistema, mesmo sendo seu representante eleito. Contudo, o professor alerta que a diferença é que bolsonaro é um populista autoritário.

Rupturas e continuidades

Para o presidente, a redemocratização é que foi uma ruptura, avalia o professor. Isso, no sentido contrário ao consenso coletivo, de que o Regime Militar é que foi uma ruptura em relação ao regime democrático de 1946.

Por isso, para o presidente, a verdadeira democracia era a ditadura. Assim ele entende que a redemocratização foi na verdade comunista, de esquerda. Assim como governante, ele estabeleceu que é anti establishment, sendo o establishment o País pós-Constituição de 1988.

Como se elegeu?

Marcos Nobre afirma que a conjuntura que possibilitou a eleição de Bolsonaro à presidência da República foi bastante única. Nesse sentido, completa: “Ele se elegeu porque as instituições brasileiras entraram em colapso”.

Da mesma forma, Nobre afirma que é por conta desse colapso que ele se mantém no poder. Para tanto, utiliza o caos como método. Ele dirige o sistema e o ataca ao mesmo tempo, contando que mesmo com seus ataques, o sistema siga funcionando, principalmente pela burocracia estatal, composta pelos servidores.

Afirma Nobre que “Bolsonaro é um parasita político”. O professor explica que o presidente se aproveita de que “os servidores não vão deixar faltar merenda na escola, aulas, entre outros” e segue atacando a eles e ao Estado. Desse modo, Bolsonaro se furta a gerenciar o sistema. Porém, com a chegada da pandemia, viu que era necessário reorganizar e dirigir o sistema. Contudo, ele não o podia fazer, pois senão, perderia seu discurso. E, por isso, Nobre afirma que o presidente “não abriu mão dos seus discursos porque ele tem pretensões autoritárias reais”.

1/3 ou núcleo duro?

Segundo Nobre, Bolsonaro jamais aspirou ter a maioria. Queria, sim, o um terço de apoio, que lhe daria segurança contra um impeachment e, também, lhe garantiria uma vaga no segundo turno de 2022. “O projeto autoritário de Bolsonaro é pensado para décadas, não por quatro anos”, afirma Nobre. E ainda completa dizendo que a ideia do presidente é instaurar um regime autoritário no segundo mandato.

Contudo, a pandemia pegou os planos do presidente no contrapé, pois 2020 deveria ser o momento em que Bolsonaro acumularia forças e seguiria governando por meio do caos.

Para o professor, o desenvolvimento desse método – governar por meio do caos – se dá da seguinte forma: nomeando um ministro que trabalha contra o meio ambiente na pasta do meio ambiente; colocando Sérgio Camargo – que nega a existência do racismo – na Fundação Palmares, que luta contra o racismo. Assim, Bolsonaro esvazia o sentido dos órgãos e os mantêm funcionando contra a sua própria lógica.

Pandemia abre o flanco do governo para o impeachment

Segundo o professor, entre os cidadãos brasilerios havia a seguinte divisão: 1/3 de aprovação, 1/3 de rejeição e 1/3 que não se manifestava. Porém, com a chegada da pandemia, parte desses 3/3 passaram a se conversar, os insatisfeitos e os que não se manifestavam. Assim, 2/3 passaram a rejeitar a política e a ideologia bolsonarista. E dessa forma, abriu-se a possibilidade real de um impeachment acontecer.

Contudo, isso não é simples. Principalmente porque é preciso estar preparado para as reações do 1/3 fiel ao governo, que pode reagir. Inclusive pegando em armas, já que grande parte da ideologia bolsonarista saiu do exército e prossegue lá e em corporações, como as polícias.

Por fim, o professor acredita que a chave do impeachment se dará na economia pós-pandemia. Ou o bolsonarismo adere aos militares com o Plano Pró-Brasil, ou afunda com a austeridade de Guedes. O rumo desse barco é incerto e temeroso, independente da rota escolhida.