Ainda bem que estamos em boas mãos. Sob a liderança de um presidente experiente, que já governou o Brasil duas vezes e tem enorme sensibilidade social e política. E que sabe que a prioridade das prioridades é enfrentar com urgência a fome e a pobreza.
Contudo, para derrotar a máquina do Estado que trabalhou intensamente para reeleger Bolsonaro e que colocou em risco a democracia, foi necessário construir uma frente ampla com forças políticas da esquerda à direita.
“Contra tudo e contra todos” (digo a máquina do Estado), a chapa liderada por Lula e Alckmin venceu.
Vencida a primeira batalha, o grande desafio agora é governar com essa frente ampla.
É mais que evidente que a frente ampla é necessária para a sustentação de maioria no Congresso Nacional para aprovar as medidas que serão encaminhadas pelo novo governo.
Como sabemos, o desafio mais urgente é refazer a proposta orçamentária para 2023, encaminhada antes da eleição pelo governo Bolsonaro.
Será necessário ampliar os recursos previstos inicialmente, em cerca de 2% do PIB, aproximadamente R$ 200 bilhões. Recursos necessários para viabilizar o Bolsa Família no valor de R$ 600 (mais R$ 150 por filho até 6 anos), aumentar o salário mínimo acima da inflação, recompor, ainda que parcialmente, os recursos para Saúde, Educação e outras políticas públicas como o Minha Casa, Minha Vida. Sem esquecer de mais recursos para a conclusão de obras inacabadas e que geram emprego e renda com muita rapidez.
Até o momento (09.11.22) parece haver convergência entre as propostas da chapa eleita e as lideranças políticas do Congresso Nacional. No acordo final, o volume de recursos adicionais poderá ser um pouco mais, ou um pouco menos.
O principal desafio, contudo, está por vir.
Analisemos apenas as visões econômicas abrigadas na frente ampla.
De um lado, os heterodoxos que propõem maior intervenção do Estado para retomar e acelerar o crescimento da economia no curto prazo. Mais investimento público no orçamento, mais crédito através dos bancos públicos, mais investimento das empresas estatais. Mais planejamento para reindustrializar o país. Reforma tributária taxando os mais ricos. Reformar a reforma trabalhista que retirou direitos em 2017. Reformar a reforma da Previdência de 2019.
De outro, os liberais que apoiaram a chapa vencedora e que defendem menor intervenção do Estado, equilíbrio fiscal e protagonismo do setor privado para liderar o crescimento econômico. E que defendem, fundamentalmente, o papel regulador do Estado. Também não pretendem mudar as reformas trabalhista e da Previdência.
Dessa tensão dentro do novo governo emergirão as propostas de política econômica que conduzirão o país nos próximos anos.
Em princípio, todos os governos eleitos democraticamente convivem com disputas e tensões.
Dependendo do desfecho dessas disputas, poderão surgir soluções mais consistentes e com maior apoio político.
No entanto, sempre existe a possibilidade de que essas disputas e tensões paralisem o novo governo.
E podem desencadear desconfianças entre os grupos em disputa, com vazamentos indevidos para a imprensa nem sempre tão “bem-intencionada”.
Fiquemos apenas na forma como a imprensa vem tratando a necessidade de recursos adicionais para o orçamento de 2023. Uma parte dessa imprensa diz que são recursos que “furam o teto de gastos” quando são, também, recursos necessários para cumprir os compromissos assumidos com a imensa maioria da população. Vale lembrar que, no caso dos R$ 600 para o Bolsa Família, os dois candidatos propuseram o mesmo valor.
Como o teto de gastos não é uma regra imutável e já foi “furado” outras vezes no governo Bolsonaro, estamos tratando de uma disposição constitucional inviabilizada há muito tempo. O desafio, nesse caso, é construir um novo regime fiscal mais realista que dê conta do principal objetivo que é estimular a economia a crescer.
A conferir como a imprensa tratará desse e de outros temas em disputa. Como “furo” no teto de gastos ou como recursos para atender a opção democrática da maioria da população brasileira por um programa de transferência de renda. Lembremos que a grande imprensa tem lado e quase sempre posiciona-se ao lado dos liberais.
A condução dessa disputa no âmbito da frente ampla dependerá da habilidade do Presidente Lula e também do Vice-Presidente Alckmin. Mas não só dos dois. Dependerá também das legítimas pressões das forças sociais e políticas, do movimento sindical, dos movimentos sociais, dos empresários, dos partidos políticos, etc.
Como se diz no jargão popular, será um governo em permanente disputa.
Como citado acima, ainda bem que estamos em boas mãos, nas mãos do melhor presidente que já tivemos em muitas décadas. Mas esse presidente é humano e poderá errar.
Por isso, quanto mais transparência e confiança entre as forças políticas em disputa na frente ampla, melhor. Sem contar que, até o momento, nem falei da oposição alucinada do bolsonarismo que ainda não aceitou a derrota eleitoral.
Tarefa desafiadora para o país e para dois homens públicos da envergadura de Lula e Alckmin.