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MPT e Unicamp debatem assédio e suicídio relacionados ao trabalho

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assédio e suicídio

É cada vez mais comum abrir as redes sociais e encontrar relatos e desabafos sobre o mundo do trabalho. Afinal, como explicou Luci Praum, professora da Universidade Federal do Acre, no seminário Sofrimento Mental e Morte entre Trabalhadores e Trabalhadoras, realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em conjunto com a Unicamp, "O trabalho tem uma centralidade econômica, social, política, cultural e até psíquica na vida do indivíduo".

Na mesa que debatia Assédio e Suicídio ligado ao Trabalho, a professora universitária se juntou ao também professor Roberto Heloane, da Unicamp, e aos sindicalistas Mauro Salles (Contraf-CUT) e Cleonice Caetano, não só para informar e debater sobre a realidade, mas para apontar ferramentas e formas de superação das tragédias que vêm ocorrendo.

Porque o trabalho de hoje faz adoecer

Especialistas e sindicalistas foram unânimes em apontar a precarização do trabalho como fonte de sofrimento para o trabalhador. As transformações cada vez mais velozes no mundo do trabalho, como as terceirizações, as metas, a remuneração por metas, a vigilância dos softwares, a pressão por maior produtividade não são passíveis de serem absorvidas pelos trabalhadores na velocidade em que são criadas. "O aumento da produtividade exigido ultrapassa a capacidade física e mental humana", reflete a professora.

"Estamos vivendo a conversão dos ambientes do trabalho em espaços de competição com metas e avaliações de desempenho. São elementos significativos que têm um impacto na saúde dos trabalhadores. Esses espaços têm se convertido em um espaço de um tipo particular de violência. Qual o preço que se paga por adaptar-se às relações sociais contemporâneas e o mundo do trabalho?", questiona Luci Praum.

Outro motivo de sofrimento mental criado pelas novas formas de trabalho é a solidão. Roberto Heloane explica: "As novas formas do trabalho destroem o coletivo e dessa forma permitem o assédio, que é produto da solidão". A destruição dos laços de solidariedade entre os trabalhadores ocorre no nível do trabalho em si, mas também institucionalmente.

Com o avanço das políticas neoliberais, as leis e regulamentos que regem o mundo do trabalho vêm sendo dissolvidas. Somente nos últimos cinco anos, o Brasil passou por uma duríssima reforma previdenciária, a reforma trabalhista, uma minirreforma trabalhista e o ataque aos sindicatos com a mudança do financiamento dessas instituições, assim como o constante ataque da grande mídia visando desacreditar as organizações dos trabalhadores.

A solidão do trabalhador e o avanço da depressão

"Não é à toa que a tática mais usada (para forçar os trabalhadores a se demitirem) até hoje é a do isolamento. Isola-se a pessoa, corta-se a comunicação com os colegas e o sujeito adoece. Daí para a depressão é um pulo. E com a depressão, o sujeito começa a pensar que merece a tal punição, e que o problema está com ele", explica Heloane.

Essa forma de massacrar o trabalhador não é advinda da maldade de um ou outro gerente, ela é estrutural do avanço do capitalismo e das novas formas de trabalho. Da mesma forma, o adoecimento do trabalhador não é fruto da sua saúde e características psicológicas individuais. "Não existe adoecimento mental que se constitua isoladamente do corpo e das relações humanas", relembra a professora da universidade do Acre.

Ao mesmo tempo, Luci explica: "Existe uma tentativa de reduzir o adoecimento a vida do trabalhador. E o suicídio tem se tornado mais comum porque tem ocorrido dentro do trabalho e com mensagens que fazem referência ao ambiente de trabalho".

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"O suicídio relacionado ao trabalho não é um fenômeno deslocado, é uma resposta brutal às formas de precarização", afirma Luci Praum

Segundo Praum, o fenômeno do suicídio ligado ao trabalho vem crescendo nas últimas três décadas como consequência do avanço das mudanças aceleradas a que são submetidos aos trabalhadores em consequência das mudanças do mundo.

"Muito recentemente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), instada pelos protestos de 2015, resolveu criar uma resolução, a de número 19, que é um conjunto de diretrizes a serem endossadas pelos países membros, no que concerne a evitar o assédio moral, discriminação e assédio sexual", informa Roberto Heloane. Porém, poucos países ratificaram a resolução, e o Brasil não estava entre o seleto grupo.

Uma situação que causa revolta já que no País, já houveram casos extremamente impactantes de suicídio no trabalho. Um deles, conforme relembrou Mauro Salles, que representa os trabalhadores do ramo financeiro, ocorreu entre 1995 e 1996. O sindicalista conta que durante o período, 69 funcionários do Banco do Brasil tiraram sua vida por causa das reestruturações pelas quais o banco e o Brasil passavam.

Conforme a tese de doutorado de Lea Carvalho Rodrigues, Banco do Brasil: Crise de uma Empresa Estatal no Contexto de Reformulação do Estado Brasileiro, no período houve um Programa de Desligamento Voluntário (PDV) que fazia parte de um programa de reestruturação do Estado proposto pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

A situação dos bancários hoje

Essa pressão pelo desligamento de um grande número de empregados da instituição ocasionou um drama que vem se repetindo hoje nas instituições financeiras, públicas e privadas, segundo Mauro Salles. Com apoio em pesquisas universidades e dados do INSS, Mauro Salles mostrou que o suicídio entre os bancários é maior do que entre a população em geral, e segundo sua percepção pessoal, vem aumentando ainda mais. "Em 2013, cerca de 27% dos bancários afastados tiveram como causa os transtornos mentais, contra 9% dos trabalhadores em geral, segundo dados do INSS", informou o bancário.

"É comum chegar na gaveta da mesa de um bancário e ver um antidepressivo, um ansiolítico. Brinca-se que os medicamentos se transformaram em ferramenta de trabalho", lamentou Salles. Segundo ele, os trabalhadores do ramo financeiro hoje se deparam com uma total desproteção: "As instituições são hostis, o governo é hostil, o judiciário é lento".

No mesmo sentido, Salles afirma que o método de trabalho com as metas e remunerações é uma engrenagem adoecedora. Ele ainda chama a atenção para duas situações graves que impedem que se saiba com clareza a situação que a categoria vive: o INSS não têm disponibilizado dados e as tentativas de suicídio que não se realizam não são computadas.

Salles afirma que os sindicatos, ainda que enfraquecidos, vêm tentando de todas as formas amparar os trabalhadores. Linhas abertas, campanhas em defesa da saúde mental, mesa permanente de negociação sobre a saúde dos empregados com os bancos, entre outras ações são parte da rotina dos sindicatos. Ainda assim, Salles conclui: "Lemos tragédias anunciadas em redes sociais o tempo todo".