A presença de Moro no debate presidencial, já como senador e ressurgindo de uma morte que se avizinhava, chamou a atenção de analistas políticos. A imensa maioria renegou qualquer concepção de golpe em 2016, muito menos admitiu a Lava Jato como parceira dos setores mais reacionários da sociedade. E, claro, nem toca no papel crucial da mídia para a perpetração do golpe e na construção e ascensão de um líder fascista.
Assim, duas consequências imediatas se impõem em nosso cenário. Primeira, a narrativa de nossos dias continua sequestrada pelos próprios arquitetos do caos político (ou antipolítico) que enfrentamos. Segunda, houve uma vitória estratégica da Lava Jato e que a esquerda agora não consegue enfrentar. Uma série de conceitos morais tornaram-se predominantes: prioridade em combater a corrupção, “limpeza” da administração pública, o desprezo aos políticos e à participação na vida política, diminuição da presença do Estado na vida econômica e social, a superioridade do setor privado, a “modernidade” de discursos tecnocratas em detrimento de “anacrônicos” discursos político-partidários.
Esses conceitos adentraram tão profundamente a opinião pública que hoje são sentimentos naturalizados, de difícil desconstrução. Os atores que melhor se aproveitaram desse clima ressuscitaram sua mitologia paralela: um anticomunismo tardio, a força das armas e fardas, a violência autoritária, a inferioridade da democracia e, forjaram assim o seu discurso antissistema. A revolta contra “tudo o que está aí”, facilitada pela equalização dos atores políticos, praticada há décadas pela mídia, foi a bandeira que o neoliberalismo mais selvagem e os próprios fascistas abraçaram para ascender ao governo. E o que era errado, sujo e corrupto foi, obviamente, definido pelo complexo midiático a partir de valores construídos na Lava Jato.
Ao estilo do que se aprendeu com a Operação Mãos Limpas, o ativismo judiciário, as prisões arbitrárias, o esquema de denuncismo e premiação, o uso da mídia nos vazamentos seletivos e na divulgação travestida de heroísmo e patriotismo, a criminalização de partidos (aqui no Brasil apenas um), foi essencial. Trouxe a opinião pública (sem espaço para quaisquer vozes contrárias) para dentro do processo, controlou o STF até sua implosão, controlou um processo eleitoral para muito além da influência econômica tradicional e levou um grupo militar/miliciano ao poder. A manifestações de 2013 foram o “Vaffanculo Day” tupiniquim, a eleição de um asqueroso capitão coroou nosso jeitinho fascista. Moro e Bolsonaro jamais estiveram separados.
Podemos criticar o TSE pela morosidade em combater a proliferação de notícias falsas. Qual o peso de um ministro desconhecido do público, Paulo de Tarso Sanseverino, ao dar inserções à campanha petista dentro da propaganda eleitoral adversária, afirmar que "É fato notório a existência de decisões condenatórias e da prisão do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, assim como é de conhecimento geral da população que as referidas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal"? Foram anos clamando a existência de um “partido corrupto” e um líder popular “criminoso”.
Não cabe aqui (e agora, principalmente) enumerar todas as falhas da esquerda e centro-esquerda nesse processo. Mas esta coluna afirmou, desde antes da campanha, que a missão crucial da oposição era a desconstrução da Lava Jato e de seus valores. E ainda temos representantes políticos que iniciam suas críticas apontando méritos iniciais da operação. A campanha de Lula não explora as divergências entre uma classe média renitente ao PT com os nababos do capital financeiro. E elas estão inseridas nas próprias reformas neoliberais que a mídia incensou. Além disso, a “moralização” que irrompe como o único desejo político da classe média, não recebe um discurso que afirme a inerência da corrupção ao capitalismo. É proibido, aparentemente, a maior parte dos atores de esquerda criticarem os valores do Mercado.
É certo que essas posições não angariariam os grandes meios de comunicação, mas nos parcos espaços em que a voz da esquerda pode se expressar, uma postura crítica ao sistema também está ausente. Em nenhum espaço se encontram vozes firmes, que mostrem que a Lava Jato jamais procurou combater a corrupção. Pelo contrário, instaurou processos criminosos que descartaram direitos constitucionais. É preciso ressoar em altos brados que Moro, a Lava Jato e seus apoiadores de primeira e última hora (no mais das vezes, os patrões dos analistas políticos mais lidos e ouvidos), além de nos atirarem ao abismo do atraso, chocaram o ovo da serpente do fascismo no País.