“A verdade é uma agonia de morte sem fim. A verdade é a morte. Você tem que escolher: morte ou mentiras. Eu nunca fui capaz de me matar.”
(Louis-Ferdinand Céline)
Era uma vez um país em que as forças da reação decidiram retomar o poder sem tanques na rua. Todas se reuniram: meios de comunicação, golpistas de farda ou de toga, falando inglês ou português, com a Bovespa e a FIESP, com STF, com tudo. Passaram a armar um cenário teatral em cima de dois dos temas mais difundidos pela mídia junto à audiência com baixo nível de conhecimento e sem participação política ativa, temas que poderiam ser resumidos em duas frases: “nenhum político presta” e “a corrupção é o mal que assola a nação”. Administrações progressistas, que estimulavam a soberania, o desenvolvimento e reparavam a desigualdade socioeconômica, foram criminalizadas pelo cavalo de troia abraçado pela sociedade midiotizada: nascia a Lava Jato. Cumpriu seu papel de arrebentar a indústria nacional, vender o patrimônio público, manipular uma eleição e levar ao poder a antiga elite, desta vez com viés fascista.
A anulação das sentenças só veio na hora exata. Esperou a desconstrução do aparato estatal, a venda de setores da Petrobras e da Eletrobras, a desregulamentação de relações trabalhistas, o desmonte da legislação ambiental e das políticas sociais, o prolongamento da política econômica de Guedes. A desmoralização das principais figuras da Lava Jato foi parcial, como se viu na eleição de dois de seus principais fantoches. Porém, outras sobrevivências são mais danosas e estão no cerne de qualquer reconstrução nacional imaginada.
A mídia manteve o cinismo, age como se nenhuma relação tivesse com os desmandos da operação, mantendo considerações dúbias sobre um juiz que, quando abre a boca para se expressar, parece quase inimputável, despertando dúvidas até sobre sua escolaridade. Mantém a neutralidade em relação a procuradores que, segundo palavras de um membro do próprio STF, estão mais próximos de punguistas. Mantém o apoio à vocação para colônia que dali renasceu, ao discurso de desconfiança política, ao antipetismo doentio, ao privatismo fortalecido, ao punitivismo irracional e ao cerceamento das ações do Executivo.
A resistência que esteve presente no 8 de janeiro podia exaltar o ex-presidente e militares, mas suas justificativas vinham de imagens de “corrupção” e “criminalidade” que foram criadas artificialmente pela Lava Jato e impregnadas no subconsciente coletivo pela mídia. A Lava Jato gerou a maior onda das chamadas fake news no País, mais duradouras e eficientes do que mensagens de Zap criadas pelo gabinete do ódio e espalhadas em grupos de evangélicos e condomínios de classe média.
Qualquer reconstrução que encare a fome, o desemprego, a desigualdade e o entreguismo como problemas a serem enfrentados, terá de lidar com o estrago e com a mentalidade lavajatista. Qualquer retomada institucional que envolva a PGR e o Judiciário terá de restaurar artigos constitucionais rasgados e ridicularizados naquele processo. Ao se matar as ideias da Lava Jato, aquilo que parece ser a grande preocupação do Ministério da Justiça e do STF, o ideário golpista, morre em seus argumentos e justificativas. Portanto, o combate às heranças da Lava Jato na realidade cotidiana e no imaginário coletivo se torna primordial neste momento.
Da mesma maneira que o discurso governamental mirou na autonomia do Banco Central para provocar uma queda dos juros, Lula escolheu o seu advogado no processo para anunciar uma mudança de postura nas indicações ao Supremo. Provoca-se o cenário da opinião pública com a possibilidade mais polêmica. Se o nome de Zanin decolar, ótimo. Do contrário, o nomeado deverá ser alguém que combateu o teatro da Lava Jato desde o início.
Quantos aos que se preocupam com critérios de impessoalidade, vale lembrar que Cristiano Zanin não foi somente o advogado de Lula. Para além mesmo de sua capacidade jurídica, ele foi, no olho do furacão do golpe, o defensor da legalidade, da institucionalidade, da Constituição e da sociedade brasileira. Ele e os que combateram a Lava Jato desde 2014 deveriam ser retratados como heróis nacionais. Os meios de comunicação assim o fariam se realmente quisessem suplantar o golpe e a possibilidade de retorno dos fascistas de plantão.