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"É difícil dizer o que é o mais perigoso para a democracia brasileira", afirma Laura Carvalho

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Imagem do site Recontaai.com.br

Laura Carvalho fala sobre a escolha do governo entre duas agendas econômicas e o impacto para a democracia brasileira de cada uma delas.

Em evento promovido pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, a economista e professora da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho, mostrou que Bolsonaro precisará optar por uma linha econômica depois da crise sanitária.

À primeira vista, o ministro Guedes segue com carta-branca de Bolsonaro para implementar seu ultraliberalismo. Porém, a ala militar do governo, que constitui seu núcleo duro, está pendendo para o Plano Pró-Brasil, idealizado pelo ministro Marinho. Segundo a economista Laura Carvalho, entre ambos, “é difícil dizer o que é o mais perigoso para a democracia brasileira”.

Fundamentalismo de Mercado

Fundamentalmente, o governo Bolsonaro foi eleito para implementar o “Guedismo”, que é como vem sendo chamada a linha econômica adotada pelo ministro da Economia de Bolsonaro.

Porém, segundo Carvalho, ela não é a essência do projeto bolsonarista de poder. A economista avalia que a união entre o fundamentalismo de mercado e a plataforma bolsonarista foram ocasionais. E que se aproveitou de um momento de total descrédito do Estado, associado à corrupção, para fortalecer a ideia de Estado mínimo na economia.

Contudo, Laura Carvalho avalia que mesmo trazendo a elite econômica do País para a plataforma, “esse elemento se constitui como um calcanhar de aquiles do bolsonarismo”. E o motivo disso é a falta de efeitos positivos para a economia do País, como observado no primeiro ano de governo, em que o desemprego seguiu grande e o País cresceu apenas 1,1%.

Isso impactou profundamente o núcleo duro do governo e, junto as críticas pelas declarações elitistas feitas por Guedes, o fez ser olhado com certa desconfiança. E assim, mesmo que Guedes estivesse no barco do autoritarismo, ao que parece o bolsonarismo não estava no barco de Guedes.

A crise sanitária torna-se uma encruzilhada

Com a chegada da crise sanitária decorrente do coronavírus, a situação econômica dos cidadãos e do País se agravou. Dessa forma, com a pressão popular aliada à pressão no Congresso Nacional, o governo precisou responder às demandas.

Com grande parte do comércio e o setor de serviços paralisados por causa do isolamento social, foi necessária uma mudança urgente do papel do Estado. Assim, a partir da aprovação do Orçamento de Guerra, que criou um regime extraordinário fiscal, o Estado interviu pesadamente na economia.

Entretanto, mesmo com as contradições entre a linha de Paulo Guedes e a necessidade de intervenção econômica escancaradas, a sua ruptura com o governo não se deu. Guedes foi obrigado a operacionalizar o Auxílio Emergencial e todas as outras medidas intervencionistas com as quais não concorda. E tudo isso, enquanto Bolsonaro tenta transferir a responsabilidade da crise econômica para os governadores.

Além da transferência da crise para os governadores, Laura Carvalho ainda aponta que o governo aproveitou a pandemia para se descolar do fracasso econômico anterior. No mesmo sentido, atribuiu a estagnação econômica à crise na busca por apagar o resultado negativo do ano anterior.

Essa intervenção estatal não evitou a crise econômica em meio à pandemia, mas a atenuou. O gasto do governo para lidar com a crise atingiu 7% do PIB, sendo 2,5% somente para o pagamento do Auxílio Emergencial. Isso, se forem contados os três meses previstos.

Laura Carvalho fala sobre o futuro

“O governo atuou de forma anticíclica nessa crise e isso é muito significativo”, afirma a economista. Porém, será preciso lidar com os efeitos da crise sanitária quando ela passar.

Carvalho aposta que a base de apoio do governo foi transformada desde que ele foi eleito. Segundo a economista, a elite lavajatista desembarcou. Para tanto, concorreram a falta de ação para lidar com a pandemia e mesmo a saída de Moro do governo. Em seu lugar, estão os beneficiários do Auxílio Emergencial, ou seja, a base da pirâmide social.

Guedes quer que, em 2021, a economia retorne à austeridade fiscal. Mas realizar cortes de gastos em uma economia em frangalhos tem um custo alto, principalmente para quem vai pagá-lo: a população. O outro caminho possível é que o governo Bolsonaro perceba que o custo político da retirada do Auxílio Emergencial. E nesse fator reside uma dúvida: é possível seguir perdendo capital político ou isso pode levar Bolsonaro ao impeachment?

Na reunião ministerial de 22 de abril, o Chefe da Casa Cível, general Braga Neto, anunciou o Pró-Brasil, que prevê um gasto governamental de R$ 30 bi em três anos. Contudo, além da apresentação, revelou uma tensão interna do governo. E nesse sentido, a dúvida é entre uma política econômica de estímulo bastante modesta, a recuperação econômica e a austeridade draconiana que impedirá não só as empregadas domésticas de irem para Disney, mas também os mais pobres de comer.

Em síntese, Laura Carvalho mostra os dois rumos econômicos possíveis e, em ambos, as possíveis perdas serão grandes. Com o caminho de Guedes, perde-se de vez a estabilidade política e social. Com o Pró-Brasil, possivelmente, perde-se a democracia.