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"Inflação poderia ser minimizada", defende economista Sérgio Mendonça

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Imagem do site Recontaai.com.br

Com o IPCA acumulando alta de mais de 8% nos últimos 12 meses, a alta de preços se tornou um fenômeno perceptível para toda a população brasileira. Ao contrário do que se acostumou a afirmar no debate econômico brasileiro - de que a principal causa da inflação é o aumento do consumo - não é está a realidade do País.

Sérgio Mendonça, economista do Reconta Aí, explica os fatores para a disparada da inflação - e o que poderia ser feito para tentar diminuí-la.

Reconta Aí - Normalmente se fala de inflação por conta do aumento do consumo e da atividade econômica. Mas o Brasil está patinando na economia, sem crescimento substancial, e ainda assim há alta de preços. É o pior dos dois mundos?

Sérgio Mendonça - A avaliação está correta. Nós não estamos com uma inflação de demanda. A economia não está andando bem, o mercado de trabalho está mal, a renda não está crescendo, os salários não estão crescendo. Então não há uma inflação de demanda, exceto pontualmente, em um ou outro setor, mas não macroeconomicamente. 

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Reconta Aí - O que explica a inflação verificada, então?

Sérgio Mendonça - O que nós temos, em primeiro lugar, é uma situação desconhecida, em função da pandemia. No caso brasileiro, como somos exportadores de commodities agrícolas, e houve uma desvalorização cambial associada a uma recuperação [alta] de preços de várias dessas commodities, foram internalizados no país os preços internacionais

Nós vemos isso no ano passado com o arroz. Se o arroz é mais caro lá fora, por que o arrozeiro, o agricultor, vai vender aqui dentro? Não vai. Para [combater] isso, precisaria haver uma política de abastecimento, no caso do arroz seria possível. Ter estoques reguladores para impedir uma explosão de preços. 

Isso vale para o arroz, está valendo para o milho, para soja, para as carnes. Isso tem um reflexo importante para a inflação. Mais uma vez, não porque a demanda esteja subindo, mas porque houve uma valorização no plano internacional associada a uma desvalorização do Real. 

Nós estamos vendo que o principal da inflação é a alta dos preços dos alimentos. Se você pegar o INPC, que mede a variação de preços para as famílias de 1 a 5 salários mínimos - sendo menor que a amplitude do IPCA, que é de 1 a 40 -, ele está quase um ponto percentual acima do IPCA, que é a inflação oficial.

Reconta Aí - Há fatores adicionais? 

Sérgio Mendonça - Agora há também o preço da energia. Os preços administrados também estão sendo corrigidos. Em São Paulo ocorre em julho o ajuste anual da concessionária de distribuição de energia. Associado à bandeira vermelha, isso também tem um impacto na inflação. Isso não tem nada a ver com demanda. 

Há o preço dos combustíveis, que está ligado à formação de preços feita pela Petrobras com base no mercado internacional. Como o petróleo subiu, isso significa preços de combustíveis mais altos aqui.

Estamos algo mais próximo do que no passado se chamou de inflação de custo. Mais do lado da oferta do que da demanda.  É um quadro muito desfavorável. A economia não anda bem e há perda do poder aquisitivo. Os sindicatos não conseguem repor a inflação nas negociações coletivas.

Além disso, tem um problema próprio da pandemia que é a desorganização das cadeias produtivas. Vários insumos estão faltando. Não se consegue produzir a quantidade necessária: menos produtos, eleva-se o preço, por uma escassez de oferta, mesmo que a demanda não aumente. 

E há setores específicos, como a construção civil que está repondo, e aí sim há um pouco mais de demanda, as margens. Como perdeu muito na pandemia, está jogando os preços para cima para recuperar o que perdeu. 

Reconta Aí - O governo poderia fazer algo diferente?

Sérgio Mendonça - Se houvesse um governo com uma intenção maior no sentido oposto do atual, ele não ia controlar plenamente a inflação, são centenas de produtos e serviços, mas em vários aspectos poderia ser minimizada. Com certeza [o governo poderia], mas há também questões estruturais que o Brasil nunca enfrentou.

Por exemplo, a oscilação cambial está associada a opção feita por uma abertura financeira muito forte. Não está havendo uma explosão pois nós temos reservas e o Banco Central pode impedir. Mas o Real é a moeda que mais oscila entre as moedas dos países emergentes. 

Para controlar, exigiria colocar imposto ou restringir a abertura financeira para evitar oscilação que tem efeito sobre os preços. 

Outra coisa seria a política de estoques reguladores. O Brasil abandonou isso com Temer e Bolsonaro, em função das limitações fiscais de gastos. Mas também há a crença de Paulo Guedes de que o mercado resolve essas coisas. E não resolve. 

Quanto à política de preços de Petrobras, é possível suavizar. Não é necessário internalizar integralmente o preço que oscila no mercado internacional. É possível adotar políticas de médio prazo, com médias trimestrais ou semestrais, não ajusta imediatamente, com algum fundo compensatório para a Petrobras.

Os maiores países estão intervindo na economia, e aqui não. Estão deixando ao sabor do mercado. Os preços sobem e a população de baixa renda é esfolada, em um momento em que a população não tem nem emprego, com um auxílio de R$150 e a cesta básica custa R$ 600. 

 Reconta Aí - E a inflação pode piorar?

Sérgio Mendonça - Com a abertura em função da vacinação, pode haver um aumento de preços de pequenos produtores de serviços que tentarão recompor suas perdas.