A alta generalizada dos preços, sentida por todos, causa ainda maior impacto nas famílias mais pobres. Para Patrícia Lino Costa, economista e supervisora da área de preços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o contexto que afeta essa parte da população é de "perversidade".
Isto porque além de sentir mais a variação - com o INPC acima do IPCA - os mais pobres já foram os mais afetados pela pandemia. Confira a entrevista com Patrícia Lino Costa sobre o tema.
Reconta Aí - O INPC está com uma variação superior à verificada no IPCA. Isso é usual? Os mais pobres sempre são mais afetados pela inflação?
Patrícia Lino Costa - O INPC se refere a famílias que recebem entre 1 e 5 salários mínimos. O IPCA de 1 a 40. O que a gente observa? Toda vez que ocorrem aumentos sucessivos de gasolina, que pesa mais no transporte individual, o IPCA tende a subir mais do que o INPC. Esse deslocamento momentâneo do INPC em relação ao IPCA acontece porque desde de 2020 ocorre um aumento do preço dos alimentos e dos produtos básicos, como gás de botijão, energia elétrica, que pesam mais no orçamento das famílias de baixa renda.
A inflação, neste momento, é sentida com mais intensidade por quem ganha menos. Isso ocorre sempre? Depende do que vem subindo com mais intensidade. Toda vez que sobe o preço dos combustíveis, ou remédios, ou mesmo plano de saúde, são as as famílias de renda média e alta que vão sentir maior impacto.
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Reconta Aí - Em nosso contexto, o que isso significa socialmente?
Patrícia Lino Costa - O resultado tem um impacto sobre uma população que também foi mais afetada pela pandemia. Já houve um empobrecimento. Perdeu seu emprego, sua renda, no início da pandemia. A gente não recuperou esse emprego.
A sociedade como um todo paga mais caro pelo alimento. Mas são essas famílias de baixa renda, uma renda reduzida e limitada e que tem que escolher. Em 2020, o arroz subiu, no INPC, 98%; o óleo de soja, 105%. Produtos que dobraram de preço. Enquanto a renda das famílias diminuiu.
Em 2021, o aumento do preços do alimentos continuou subindo, porque o Brasil segue exportando muitas commodities - o custo da carne, não só por conta da exportação, está alto -, vai ficando inviável para essas famílias. Junto, tem que pagar energia e comprar botijão.
É um contexto de perversidade.
Reconta Aí - A tendência é que a inflação continue subindo para os mais pobres?
Patrícia Lino Costa - A inflação é causada por questões do lado da oferta, e do outro lado, há uma demanda menor. É preciso verificar como vai se equilibrar a queda de braço entre esses dois fatores.
Acreditamos que a inflação continuará subindo. Talvez ela não suba tanto porque nós já observamos a redução da demanda. As pessoas estão comprando menos, porque têm menos renda. A população está tão empobrecida que não tem dinheiro para comer e o preço não sobe tanto.
Reconta Aí - Como avalia as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo? Há algo mais que poderia ser feito?
Patrícia Lino Costa - As medidas são tradicionais. O aumento da taxa de juros. Aumento da taxa de juros significa que a economia terá um crescimento menor do que poderia ter.
Em contrapartida, não há nenhum programa de transferência de renda. O governo anunciou que vai manter o auxílio emergencial por três meses. Mas o auxílio, neste valor, não é suficiente para pagar o alimento que sobre cada vez mais.
Não há nenhum indicativo de crescimento da economia. Ou de políticas pontuais para tenar diminuir a exportação ou de subsidiar o alimento.
É muito complicado que um País sem crescimento e com inflação - basicamente de oferta - siga tratando apenas com o aumento da taxa de juros e não com políticas agrícolas, de estoques reguladores, que possam garantir uma quantidade para que o preço não suba tanto.