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Humor político se reinventa em tempos de absurdo

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Imagem do site Recontaai.com.br

“A Rigor Seria Isso” é um canal de imitações e humor que não se rende aos chavões, mas explora o absurdo da política nacional.

O desafio de fazer humor em um tempo que beira às raias do absurdoImagem: Reprodução/GloboNews

A grande mídia já se rendeu às imitações feitas nas contas de Youtube, Twitter e Instagram do A Rigor Seria Isso. Além do humor, o canal – que possui “conteúdo artesanal, orgânico e oriundo de um pequeno produtor” – também informa e está em campanha contra a mentira nas redes: “Aceite imitações, recuse fake news”.

Segundo o especialista em humor brasileiro e professor titular da USP, Elias Thomé Saliba, “imitações de figuras políticas sempre foram muito comuns na história brasileira, desde os tempos das paródias no cinema ou do rádio”. No mesmo sentido, o professor Saliba avalia que o papel da imitação “leva ao ridículo as criaturas parodiadas, mas é preciso acrescentar que também as humaniza, enchendo-as de traços pitorescos e prosaicos”.

Por trás das excelentes vozes e do texto afiadíssimo do A Rigor Seria Isso está um jornalista paulista, chamado Renato Toledo. Ele não faz mistério; porém, é discreto e possui um grau de conhecimento de política nacional que vai além do noticiário. Por isso, consegue transitar entre duas formas de riso apontadas pelo professor Saliba: “riso catártico, que é de alívio e distensão, e o contrário dele – o riso da catexia – que espicaça nossas energias mentais canalizando aquele momento efêmero de pura diversão para sentimentos outros, de impotência, de raiva e até de revolta”. 

Renato topou falar um pouco sobre o caldo que dá “sustança” ao seu jeito de fazer humor. E, em grande medida, suas respostas corroboram a tesa de Saliba: “Em nosso País, em época sinistra como a que estamos vivendo, as prosaicas imitações, às vezes, podem levar o espectador para o lado contrário da catarse porque, afinal, acabam por exprimir, pelo riso aflito e irreverente, uma gente manietada nos seus projetos, impotente em seus desejos, proibidas de futuro, cronicamente burlada na sua cidadania”.

Acompanhe a entrevista e uma seleção, bem pessoal, das melhores peças produzidas por ele para o canal.

Reconta Aí: Que tipo de sentimento gera em você as figuras que imita?

Renato Toledo: O sentimento varia de imitado pra imitado. Vai desde uma repulsa, que fica marcada na imitação de pessoas que estão nesse governo, se somando ao desastre sanitário e contribuindo para a aceleração da pandemia no Brasil, até pessoas sobre as quais tenho uma posição mais neutra, mais distante, como é o caso do ex-ministro Teich, pelo qual não nutro nenhum sentimento.

Então, isso varia muito; procuro primeiro pegar a técnica de imitar essa pessoa; depois, pegar a embocadura, a personalidade. E claro, colocar um texto crítico, que revele a personalidade dessas pessoas, que muitas vezes não fica tão evidente. O que é muito difícil, confesso, no caso do Bolsonaro, o qual nem gosto tanto de fazer imitação porque quando trabalhamos com questões absurdas – expor o imitado a uma situação absurda, pouco verídica – no caso do Bolsonaro, é difícil. Porque qualquer absurdo que você imaginar ele já promoveu, falou ou chegou muito próximo disso.

R. Aí: O professor Elias Saliba diz que “O riso é arma social para os impotentes”. Você considera que nesse momento, a população está impotente frente à política nacional?

Eu acho perfeita essa colocação do professor. Estamos num momento de muita impotência frente à política nacional. Sobretudo porque nunca foi tão urgente uma mobilização de rua para enfrentar um governo que atenta diariamente contra a democracia. E, ao mesmo tempo, as manifestações de rua tornaram-se um sinal de insanidade e de uma expressão autoritária antidemocrática. Vivemos a contradição de um tempo sui generis.

E a gente que pode ficar dentro de casa, cumprindo o isolamento social, o máximo que pode fazer é xingar pelas janelas. E o humor tem sido sim, pelo menos pra mim, uma válvula de escape muito interessante. E as respostas têm sido muito satisfatórias. As respostas apontam esse trabalho como fonte de alívio, um respiro, ao mesmo tempo que fortalecem a crítica.

Eu vejo [o humor] como uma arma poderosa para manifestar uma insatisfação. E mesmo que não tenha um poder transformador, tem um poder alentador quando você fala para um público cansado, que está sofrendo muito com o noticiário, com os arroubos do presidente da República e com a maneira trágica que o governo vem conduzindo a pandemia.

O humor é espaço de uma arma social e ao mesmo tempo um alívio, não no sentido de anestesiar o público, mas de confortar e dar mais ânimo para cada um continuar sua trajetória, fortalecendo seu posicionamento. No caso específico, agora, de contrariedade ao que o governo vem fazendo.

R.Aí: Existe intenção além da piada?

Existe sim, sempre. Eu acho que a piada sempre vem com base num contexto social e manifesta um posicionamento. Nesse caso tem sim um posicionamento, uma intenção de estabelecer uma crítica ao que vem acontecendo. Sobretudo em relação ao Governo Federal, que tem feito um trabalho interessante, entre aspas, de juntar todos os campos representados nas últimas eleições presidenciais, todas as doze candidaturas, em um campo de oposição, em maior ou menor grau.

É uma maneira que encontrei de fazer uma crítica ao que eu considero nefasto para a sociedade brasileira.

Mas também tem a intenção de trazer um alívio, inclusive pra mim. De tornar risível uma situação trágica. Não para se contentar ou se conformar com essa realidade, mas de fazer uma crítica por meio de uma situação cômica, absurda.

Por mais difícil que seja você fazer uma imitação reproduzindo um absurdo, de pessoas que vivem do absurdo, como é o caso dessas coletivas diárias, esses encontros que o presidente faz no cercadinho do Alvorada.

Isso dificulta muito o trabalho de quem faz a imitação. Porque todo o absurdo que você pensa em fazer, quando vai reproduzir uma fala por meio de uma imitação, ele já gastou todo o repertório do imitador ali, falando absurdos possíveis, todas as violações de Direitos Humanos.

R.Aí: Moro, Marina, Teich, Bolsonaro. Quem será o próximo, ou próxima, dessa lista?

Eu quero fazer mais vezes o governador Doria, que é um cara que virou o antagonista direto do presidente da República. Acho que o Bolsonaro o escolheu como adversário e os bolsonaristas também, sobretudo em São Paulo. Eles [os bolsonaristas] têm gritado fora Doria, como resposta ao Fora Bolsonaro, como se todos os inimigos de Bolsonaro fossem aliados de Doria.

Além de Doria, penso em fazer Geraldo Alckmin, que está um pouco ofuscado pela conjuntura. O Lula – que já fiz algumas vezes – e também estou tentando fazer algo sobre cultura, imitando Nelson Motta, o cronista.

A rigor seria isso!