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Entre a esperança e a morte – o que ganhamos com a volta de Lula ao cenário político

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Imagem do site Recontaai.com.br

Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Manuel Bandeira

Lula voltou a ser um cidadão com direitos políticos, como eu e você. Foram três dias frenéticos e um fato desejado, mas não esperado. Até inimigos que alardeavam sua morte política não puderam manter a pose. No dia mais letal da pandemia, foi a reaparição de Lula – condoído e emocionado com o drama das perdas, aos moldes do estadista que sempre foi – que obrigou o atual mandatário, pela primeira vez, a usar máscara em público.

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Mas o que mudou em nosso cenário? No governo, ações e falas procuraram exibir uma postura responsável diante da pandemia. Considerando o retrospecto, anúncios e máscaras foram risíveis. Mas, na área da mídia… Bem, aí o caos se instalou. Só nas redes sociais, no meio da tarde do dia 10, 2,5 milhões de menções tornaram Lula o tema mais debatido nas redes. Foi a primeira vez em muito tempo que um assunto superou o BBB, a grande plataforma de orientações éticas e de comportamento social da era bolsonarista. Foi preciso um rápido rearranjo de postura. Lideranças políticas conservadoras deram declarações surpreendentes, as de esquerda saudaram a sonhada volta, mas terão que readaptar seus discursos, já que Lula foi bem além dos temas e ideias de que se utilizaram até aqui.

Uma parcela dos analistas da grande mídia ressaltou o aspecto conciliador e relembrou o “Lulinha Paz e Amor” de campanhas passadas. Antecipando – e este é o verbo fundamental – as expectativas de seus interlocutores, Lula acenou com o ensejo de construir pactos por meio de diálogos com grupos golpistas. Reafirmou sua disposição de respeitar jornalistas, militares, empresários e políticos, sempre citando seus governos como exemplos práticos. Esta análise jornalística, a da conciliação, não levou em conta a ironia implícita em cada frase, em cada caso contado pelo ex-presidente antes de anunciar sua vontade de diálogo.

Na verdade, ele esfregou na cara de algumas categorias – militares e empresários – o fato de que eram melhor tratados e alcançavam mais facilmente seus objetivos de modernização e lucro na era petista. Quanto aos jornalistas, lembrou que sempre foram respeitados e livres para trabalhar, mas ressaltou que agiram conforme o desejo de seus editores e patrões, raramente em função dos fatos, quase sempre em função da mentira e da injustiça. Em relação a outros partidos, apressou-se em arrefecer o afã por uma Frente Ampla no primeiro turno. A conciliação foi apenas o final óbvio de um ânimo literalmente político, de debate e negociação: Lula sabe de sua importância como líder e, a partir da nossa realidade – que ele dissecou e expôs sem os lugares comuns impostos pela mídia – será possível estabelecer pactos ou ações conjuntas.

Outra parte da mídia destacou o lado mais radical do discurso. Lula antecipou (novamente) todos os temas proibidos nos noticiários e as ameaças habituais de jornalistas aos líderes da esquerda. Não foi preciso perguntar sobre Cuba, Maduro, Evo, UNASUL ou Foro de São Paulo. Não foi preciso esconder as palavras “golpe”, “lawfare” e nem mesmo a participação norte-americana neste processo fraudulento. Não foi possível defender minimamente a Lava Jato. Não deu para perguntar sobre corrupção. Lula falou sobre tudo abertamente em seu discurso. Acusou a imprensa, especialmente a Rede Globo, de participar da farsa da Lava Jato e do impeachment. Falou sobre milícias e falsos pastores. Saudou e criticou a quem de direito. Defendeu nomes e temáticas que lhe colocaram à esquerda de qualquer discurso presente na opinião pública atualmente. Tudo o que os políticos de esquerda mais temem e se conformam em não falar frente às câmeras e microfones, Lula falou sem ser perguntado. Esvaziou o saco de demônios da mídia.

Mas, segundo ele, quais pautas que devem ser discutidas? O que deve orientar a esquerda, o PT, a luta contra este governo?

Lula descreveu todas as desgraças que atingem o trabalhador brasileiro. Que massacram os pobres brasileiros. Que afligem os que pensam em um projeto de país com justiça social, soberania e desenvolvimento. Falou de casa, emprego, comida, trabalho, saúde, educação, segurança e dignidade. Apontou caminhos para a esquerda falar e atuar. Atacou todos os princípios da política econômica de Guedes. Depois de muitos anos, pudemos assistir nos noticiários alguém criticar privatizações, teto de gastos, ajuste fiscal e Estado mínimo. Classificou essa política como um retrocesso de décadas. E ainda ameaçou claramente possíveis compradores da Petrobras, afirmando que muita coisa poderá mudar neste País. E esse é um conjunto de ideias com que a mídia não pode lidar, já que passou anos defendendo uma “modernização” entreguista e privatista que está destruindo o Brasil. O golpe foi para isso, e o jornalismo dos grandes meios foi quem o forjou e o justificou para a sociedade.

Por fim, todos os analistas, tanto os que viram a conciliação quanto o radicalismo, concordaram em utilizar a mesma palavra para definir o “novo normal” político, agora com a presença desejada e temida do ex-presidente. A palavra que até ontem era pronunciada como o grande mal da sociedade brasileira, segundo os textos de todos os meios de comunicação. A palavra da qual as agências de comunicação fogem, as equipes de campanha procuram desvincular seus candidatos…

Uma vez mais, Lula se antecipou. Foi o primeiro a falar a palavra. “Polarização”. Ao invés de fugir do termo, deixou claro que as eleições brasileiras foram polarizadas desde que o PT esteve presente. Que o PT polarizou o debate político. E que era para o partido e seus militantes fazerem isso mesmo, polarizar como fez desde que nasceu. O PT colocou o trabalhador na cena principal do embate político, e isso trouxe antagonismo fundamental à baila: afinal, sempre foi e sempre será uma polarização entre trabalho e capital.

Neste momento, com as condições objetivas brasileiras, com a crise e com a pandemia, com a fome e o descaso social, com o fascismo neoliberal no poder, os antagonismos só podem assumir imagens dramáticas. A polarização, a partir de agora, será da esperança contra a morte.

E a nossa esperança está na praça, de volta, entre nós.