Na nossa formação histórica como país independente, especialmente do final do século 19 até hoje, a sociedade brasileira não foi capaz de resolver a inclusão da população através do mercado de trabalho e da geração de empregos decentes, com proteção social e rendimento para os trabalhadores, homens e mulheres, terem uma vida digna para eles e suas famílias.
A saída histórica da escravidão (final do século 19) e a inserção econômica subordinada do Brasil no cenário econômico internacional legaram problemas estruturais de difícil solução até os dias atuais.
A enorme oferta de mão de obra, ex-escravos e imigrantes europeus, nesse quase século e meio de história, viabilizou um expressivo excedente de força de trabalho para trabalhar em condições precárias e com salários abaixo das mínimas condições de subsistência.
Esse problema foi minimizado, em parte, com os 50 anos de alto crescimento econômico, a partir do fim da República Velha, ou seja, a partir dos anos 30 do século passado.
Registre-se que a economia brasileira foi uma das economias que mais cresceu entre 1930 e 1980. O país construiu a maior indústria do hemisfério sul do planeta, ou seja, a maior indústria dos países de industrialização tardia, que hoje chamamos de emergentes.
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Nessa trajetória de altos e baixos de mais de um século, o país atingiu o posto de 6ª maior economia do mundo em 2011. E, com isso, gerou ocupações e empregos para absorver a enorme oferta de mão de obra decorrente da migração do campo para a cidade, da urbanização acelerada, da pujante industrialização de boa parte do século 20 e do intenso crescimento demográfico.
Nesse processo, contudo, a economia brasileira nunca superou uma característica estrutural de nossa formação socioeconômica. A informalidade e a precarização sempre foi um traço marcante do mercado de trabalho brasileiro, cobrando um alto preço da sociedade em termos de inclusão e proteção social de uma expressiva parcela de nossa população.
No último trimestre, com informações mais completas divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de março a junho de 2022, 42 milhões de pessoas estavam ocupadas e trabalhando sem proteção social. Quem são essas pessoas que estavam na informalidade?
Assalariados sem carteira (setor privado, setor público e trabalhadores domésticos) somavam 20,2 milhões de pessoas; 800 mil declararam-se empregadores sem CNPJ; 19,3 milhões declararam-se trabalhadores por conta própria sem CNPJ; e 1,8 milhão eram trabalhadores familiares. Sem contar os 10,1 milhões de desempregados.
Em outras palavras, aproximadamente 4 em cada 10 ocupados eram informais no 2° trimestre de 2022. Trabalhavam sem proteção social, sem direito ao auxílio doença, licença maternidade, seguro desemprego, FGTS, 13° salário, férias, aposentadoria, entre outros direitos.
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Por que tanta no mercado de trabalho brasileiro há tanta informalidade?
Não existe uma resposta fácil para essa pergunta. As causas que ajudam a explicar a informalidade são várias e complexas.
Destaco as que julgo principais, reconhecendo que existem outras: o grau de desenvolvimento econômico do Brasil, a atuação do Estado (Educação, Crédito) e a legislação tributária.
Para gerar emprego e ocupações de qualidade, formais, com bons salários e rendimentos, inicialmente é preciso que o país tenha uma economia dinâmica e diversificada, que garanta o desenvolvimento de amplos setores econômicos (indústria, comércio, serviços, agricultura e setor público).
Mesmo quando o país tornou-se a 6ª economia do mundo, em 2011, o patamar de informalidade seguiu alto. Dito de outra forma, no melhor momento recente de crescimento econômico e melhoria dos indicadores do mercado de trabalho, com redução do desemprego e da informalidade, ainda assim o patamar de informalidade seguiu muito alto, acima de 40%. No último trimestre de 2013, a taxa de desemprego caiu para 6,2%, um dos menores patamares da história. Ou seja, como mostra a experiência de alguns anos atrás, o crescimento econômico é condição necessária, porém não suficiente, para resolver o problema da informalidade.
Também é necessário que a estrutura tributária, a legislação trabalhista e o crédito farto e barato promovam a geração de empregos formais e incentivem a criação de micro e pequenos empreendedores formais, que possam pagar para ter proteção social e de seus empregados, que possam trabalhar com proteção contra doenças, acidentes de trabalho, riscos de perder o emprego, e que possam envelhecer com garantia de aposentadoria no fim do ciclo laboral.
Tributar menos o trabalho e tributar mais as altas rendas, os lucros e dividendos, é um bom caminho para termos um sistema tributário que incentive a geração de empregos e a criação de micro e pequenas empresas. Nunca é demais dizer que no Brasil atual o sistema tributário penaliza o trabalho e o consumo, e protege os ricos e os grandes proprietários.
Outro ponto central nesse debate sobre a informalidade é a atuação do Estado para contribuir na elevação da produtividade da economia brasileira. Por que esse ponto é importante? Porque uma economia mais produtiva permitirá pagar salários mais altos e permitirá que os pequenos negócios tenham um faturamento que viabilize sua perenidade.
O Estado, sempre o velho e bom Estado
As ações do Estado que poderão contribuir para a elevação da produtividade são no campo da Educação em todos os níveis (fundamental, médio e superior) e do sistema de Ciência e Tecnologia. Formar para a cidadania, elevando o nível educacional da população. Sem uma ação decisiva e de longo prazo no campo da educação pública dificilmente chegaremos lá.
Um enorme desafio é criar as condições políticas para a construção e implementação de um projeto de desenvolvimento nacional que indique um rumo norte para a economia brasileira. Quais setores econômicos serão estimulados, quais ficarão pra trás, como enfrentar as desigualdades regionais e, sobretudo, como enfrentar a chocante desigualdade social. Como ofertar crédito barato para os trabalhadores e para os pequenos negócios.
A informalidade no mercado de trabalho está na base da vergonhosa e indecente desigualdade social brasileira. A renda do trabalho é o principal componente de renda das famílias. Os programas sociais e as políticas públicas (educação, saúde, previdência) são complementares à renda do trabalho.
Reduzir, ou se possível, extinguir a informalidade, é uma das portas de entrada para que uma parcela expressiva da força de trabalho (cerca de 40%) se reconheça como sujeitos que participam e contribuem para o processo de desenvolvimento socioeconômico do país.
Se uma parcela expressiva dos trabalhadores não alcança mínimos patamares de renda através do trabalho e, além disso, não se vê protegida por políticas públicas como os demais trabalhadores, corre-se o risco muito alto desse segmento romper qualquer laço de solidariedade e ser seduzido por um discurso anti-Estado, autoritário, e do tipo salve-se quem puder.
Por que essas pessoas defenderiam o Estado e as políticas públicas se esse Estado e essas políticas não as protegem e também não protegem suas famílias? A informalidade é uma das causas desse sentimento de não pertencimento. Sair de casa e “matar um leão por dia” é um desafio diário para enorme parcela da população brasileira que se encontra na informalidade.
Mais do que isso. O discurso anti-Estado aponta na direção da guerra de todos contra todos. Esses trabalhadores por conta própria, autônomos, que fazem bico, assalariados sem carteira, trabalhadores domésticos, dificilmente defenderão o sindicato, a legislação do trabalho e, em última análise o Estado, uma vez que para eles essas instituições não os protegem.
Enfrentar a informalidade deve compor, prioritariamente, um plano de desenvolvimento nacional que busque a inclusão e a proteção social, bases de um projeto que fortalece a solidariedade entre os trabalhadores, a democracia e o fortalecimento do papel do Estado, única instituição que, até onde conhecemos, impedirá a barbárie.