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"Dezembro tenso no Brasil", diz economista Sérgio Mendonça

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Imagem do site Recontaai.com.br

Na esteira do desemprego e das crises política e sanitária, dezembro chega marcado por fortes incertezas quanto ao rumo da economia brasileira. Além disso, o fim do auxílio emergencial e o orçamento ajustado dentro do Teto de Gastos – que significa tirar algo em torno de R$ 400 bilhões ao longo de 2021 – concorrem para levar o País a uma grave crise social.

Sérgio Mendonça, economista e diretor do Reconta Aí, faz uma análise sobre a conjuntura econômica brasileira com a chegada do último mês do ano. Resume, em poucas palavras: “Dezembro tenso no Brasil”.

Confira a entrevista na íntegra:

Por que o mês de dezembro de 2020 será tenso?
Os rumos da crise sanitária, da economia e da política nos próximos dias e semanas serão incertos. Além disso, uma crise social se avizinha.

Todos nós sabemos que 2020 tem sido um ano atípico até o momento. Como o ano está para acabar, pode-se afirmar, sem chance de errar, que será o ano mais estranho e diferente da vida de quase todos os habitantes do Brasil e dos demais habitantes do planeta.

Alguém, um dia, imaginou bilhões de pessoas andando de máscara ao mesmo tempo nos diversos cantos do planeta em razão de um vírus?

Ninguém sabe ao certo quanto tempo ainda levaremos para superar a pandemia do Covid-19 no Brasil e no mundo.

Não só no Brasil, mas o quadro internacional é muito instável. Qual avaliação faz do contexto externo?

Ao longo de 2020 os países tomaram diversas medidas – sanitárias e econômicas – para enfrentar essa crise. Foram acionadas medidas de isolamento social que interromperam inúmeras atividades econômicas com forte impacto no mercado de trabalho.

As últimas estimativas do Fundo Monetário Nacional (FMI) apontam uma queda de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2020.

Recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou uma perda equivalente a 345 milhões de ocupações/empregos em tempo integral no mercado de trabalho mundial no 3° trimestre de 2020.

E aqui? Levando em conta os indicadores econômicos já divulgados no decorrer do ano, qual avaliação faz do contexto brasileiro?

Para o Brasil a estimativa de diversas instituições e analistas indica queda aproximada de 5% do PIB em 2020.

Os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, nosso órgão oficial de estatística, apontam números bem desfavoráveis. No trimestre julho/agosto/setembro de 2020 estavam ocupadas 82,5 milhões de pessoas. No trimestre julho/agosto/setembro de 2019 estavam trabalhando 93,8 milhões de pessoas. Ou seja, 11,3 milhões de pessoas a menos nessa comparação anual de 2020 com 2019.

Não bastasse esse dado negativo, a taxa de desemprego atingiu seu maior patamar nesse mesmo período. Em julho/agosto/setembro de 2020, cerca de 14 milhões de pessoas estavam desempregadas. A taxa de desemprego de 14,6% foi a maior da série histórica iniciada em 2012.

Para enfrentar a crise econômica e sanitária de 2020 foram adotadas medidas econômicas de largo alcance. O Governo Federal estima que as medidas tomadas para enfrentar a crise sanitária somaram algo em torno de 8,6% do PIB, cerca de R$ 615 bilhões.

O ano está chegando ao fim e o País enfrenta um impasse em relação aos benefícios sociais previstos para 2021. Como superar esse impasse?

O estado de calamidade decretado em março de 2020 permitiu elevar as despesas federais acima do Teto de Gasto (Emenda Constitucional 95/2016). Com o término do estado de calamidade em 31 de dezembro, se não houver decisão por sua prorrogação, será necessário aprovar o orçamento de 2021 respeitando a regra do Teto de Gastos.

Significa começar a retirar, na prática e daqui a um mês, algo como 5 a 6% do PIB (na projeção anual) de impulso fiscal no próximo ano. Ou cerca de R$ 400 bilhões de corte ao longo de 2021.

Até o momento o auxílio emergencial transferiu aproximadamente R$ 350 bilhões para 67 milhões de pessoas. Ou um pouco mais, com o pagamento das parcelas residuais de R$ 300 a partir de setembro.

Ao que tudo indica, o auxílio será cortado em janeiro de 2021 sem que ainda saibamos que programa o substituirá. Retornará o Bolsa Família que vigorou até março de 2020? Ou será proposto um “novo” Bolsa Família turbinado, com valores mais altos de transferência? Ou teremos um novo programa, diferente do Bolsa Família e do auxílio emergencial? Essas decisões foram adiadas, aguardando a realização do 2° turno das eleições municipais.

Estamos a 30 dias do fim de 2020 e a sociedade ainda não sabe como ficará a situação de mais de 70 milhões de brasileiros (entre beneficiários do auxílio emergencial e do Benefício Emergencial de Emprego e Renda–Bem) no início de 2021. E sem acrescentar nesses números os brasileiros que acessaram o saque emergencial de R$ 1.045,00 do FGTS. Mais da metade da população brasileira (incluindo familiares) será afetada pelo término desses programas.

Sérgio Mendonça

Dezembro de 2020, com seus 31 dias de duração, será um mês curto para as difíceis decisões (ou ausência de) que terão de ser tomadas.

Além de ser o mês de festas de fim de ano (com paralisação do Congresso por vários dias), estamos assistindo ao repique da pandemia no Brasil com o relaxamento e o cansaço da população em seguir as medidas de isolamento social.

Em dezembro será intensificada a disputa pelas sucessões na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que avançará por janeiro de 2021. Será necessário votar o projeto de lei de diretrizes orçamentárias – PLDO e, se houver acordo, o projeto de lei orçamentária anual – PLOA. Tudo acontecendo ao mesmo tempo nesse “curto” mês de dezembro.

Como avalia a ausência de um plano de governo para enfrentamento da pandemia e em defesa da vida dos brasileiros?

Para agravar esse quadro não contamos com um Governo Federal. Esse (des)governo não é capaz de coordenar o enfrentamento da pandemia que retirou a vida de mais de 170 mil brasileiros até o momento. E que caminha para atingir 200 mil pessoas no início de 2021. O que esperar desse (des)governo para tomar medidas que protejam a vida da população e a economia?

Esse governo, que acredita que o mercado resolve tudo, não tem nenhuma condição e nem interesse em coordenar um esforço nacional para os duríssimos desafios que teremos pela frente.

Ao ajoelhar para o Deus Mercado e dizer que o Teto de Gastos será cumprido, “doa a quem doer”, o governo está alimentando a fera que o devorará. Por enquanto o mercado está com os dentes de fora cobrando essa fatura, impondo um “preço”, em termos de juros de médio e longo prazo mais altos, para financiar a dívida pública.

Estamos então à beira de uma grande crise social por conta do governo que aposta suas fichas no mercado financeiro? Existe saída?

As saídas dependerão da disputa política. É óbvio que a crise social que se aproxima não será resolvida pelo mercado. Sem medidas econômicas e sanitárias coerentes que protejam a população mais vulnerável, a crise social será agravada.

O cenário mais provável indica que iniciaremos 2021 sem o orçamento da União votado pelo Congresso Nacional, com milhões de brasileiros sem renda e sem emprego para sobreviver, com o Coronavírus correndo solto no território nacional e ainda sem vacinação contra o vírus.

Um governo digno desse nome deveria, como medida de emergência, propor a taxação dos ricos e das grandes fortunas para financiar o esforço necessário nessa transição e para impedir o agravamento da crise social, até superarmos a crise sanitária.

Esse (des)governo, submisso ao mercado, dificilmente proporá algo nessa direção, ou seja, taxar os ricos e as grandes fortunas. Provavelmente tentará jogar nas costas dos pobres o ajuste fiscal, limitando gastos com programas sociais, tirando dos pobres para dar aos paupérrimos.

Enfim, teremos um mês complicado pela frente.

As perguntas para a qual não temos resposta são: o Congresso Nacional votará o novo orçamento com esse corte que, provavelmente, empurrará a economia brasileira para o buraco em 2021? O auxílio emergencial (ou um programa de transferência de renda reforçado) será renovado? Como sair desse impasse e proteger a população?