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Contrabando, garimpo e lavagem de dinheiro: como o crime organizado e os crimes ambientais estão interligados

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Imagem do site Recontaai.com.br

Em conferência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, especialistas debatem a possível ligação entre crime organizado e crimes ambientais

Apesar de ter a menor população, a região Norte possui a maior extensão territorial do País. Junto a isso, possui grande quantidade de rios navegáveis, fronteiras terrestres com sete países e o mais importante, possui a floresta com maior biodiversidade do mundo.

Contudo, a utilização de todo esse potencial tem sido usurpado por grupos criminosos de todos os tipos. Por mais que grande parte da atenção esteja voltada aos crimes ambientais, o Norte do País sofre também com a atuação do crime organizado, que tem como consequência o aumento da violência na região.

O crime organizado

O Professor do Departamento de Geografia, Aiala Couto, estuda as dinâmicas do crime organizado na Amazônia. E junto ao Forum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) desenvolve um projeto que busca entender a territorialização das facções criminosas na região.

De acordo com Aiala Couto, o narcotráfico brasileiro utiliza cidades, rios, portos, estradas e aeroportos no tráfico da cocaína. Além disso, as fronteiras garantem maior proximidade com os produtores de cocaína dos países andinos, colaborando para que o Norte seja um ponto importante do esquema criminoso.

Entretanto, a Amazônia não é apenas rota do comércio internacional de drogas. Mas também é utilizada como ponto de distribuição nacional dos entorpecentes e até para a podução de maconha, deslocada do Nordeste brasileiro e do Paraguai para a região Nordeste do estado do Pará.

A Geografia dos entorpecentes

“O Rio Amazonas é a grande porta de entrada da cocaína de origem andina em território brasileiro”, explica o professor. No mesmo sentido, explica que há outro rio utilizado como hidrovia do tráfico, o Solimões. Junto ao Amazonas, ele cumpre o papel de principal corredor de chegada da droga.

E, se o estado do Amazonas é a porta de entrada de drogas e contrabando, o estado do Pará é distruibuidor. No Pará as drogas e contrabando, principalmente de minério, são distribuídos dentro e fora do País.

Em ambos os casos, concorrem para o sucesso das rotas do tráfico a grande extensão territorial da Amazônia, a complexidade da região e a precariedade da fiscalização.

Portos, aeroportos e rodovias

No Pará traficantes fazem com que a droga chegue nos mercados do Brasil, regiões Centro-Sul e Sudeste, e no exterior. Para tanto, não só as hidrovias são utilizadas, mas também a estrutura portuária do estado. Os rios Tapajós e Xingu têm sido usados para o transporte e na cidade de Barcarena, as apreensões no Porto de Vila do Conde não são raras. De lá, drogas e contrabando de madeira e minérios são distribuídas para os portos europeus, americanos e asiáticos.

Barcarena tem sido usada para embarcar produtos de crime para o exterior. Tanto as drogas do crime organizado, quanto o contrabando que vem dos crimes ambientais. Foto: Prefeitura de Barcarena

Saindo das hidrovias amazonenses, o transporte de produtos ilegais segue diferentes rotas. Desde as hidrovias paraenses já citadas, até rodovias e a rede aeroviária.

A Transamazônica é de difícil trânsito. Possui trechos precários, outros que cortam territórios indígenas e outros dentro da floresta. Contudo, integram o Norte ao Centro-Oeste e Nordeste. Outro caminho que possui destaque é o Corredor da Soja, BR-163, que interliga o Mato Grosso ao Norte, por onde escoa as dorgas na mesma estrada; porém, na direção oposta a produção de grãos do Centro-Oeste.

Já as redes aeroviárias contam principalmente com aeroportos privados, construídos legal e ilegalmente em fazendas. Mesmo assim, os traficantes usam também os aeroportos de Belém e Manaus principalmente para exportar o produto ilegal.

Gente, bicho, planta e minério

Além do tráfico de drogas, pessoas e animais também fazem parte da rota utilizada pelo crime organizado. Foto: PM Ambiental de Arinos

“É preciso começar a estudar a hipótese da relação do narcotráfico com o contrabando de minérios e madeira em direção à Europa”, afirma Aiala Couto, que não se furta de acrescentar à lista outros produtos de crime ambiental e o tráfico de pessoas para regiões de garimpo. Bem como conjectura que a exploração sexual, o tráfico de pessoas, garimpo e mineração e lavagem de dinheiro do tráfico de drogas podem estar interconectados.

O crime ambiental

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista-sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, concorda com as prováveis ligações entre crime organizado e ambiental.

Entrando na seara da segurança, Suely Araújo entende que a segurança pública não tem fronteiras, assim como a questão da fiscalização ambiental. Entrentando, ela alerta para o fato de que para resolver os muitos problemas da região, não basta apenas a integração entre os órgãos. É necessário que haja uma integração da Segurança Pública ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Isso é necessário pois, segundo a especialista, há uma dificuldade das forças de Segurança Pública estaduais fazerem frente às práticas criminosas. E isso acontece por uma série de motivos. Por exemplo na Amazônia, local onde há forte atuação de fiscalização do Ibama, ocorre exatamente pela dificuldade da polícia estadual em combater as práticas ilegais.

Inteligência, dados e experiência

Contudo, não é apenas a proximidade que impede as forças de segurança de fazerem um combate mais efeitivo. A falta de expertise em como fazer também é um fator importante. “A fiscalização ambiental tem uma lógica própria. Colocar um militar na coordenação dela é a mesma coisa que colocar um militar da marinha pilotando um avião da aeronáutica”, avalia Suely Araújo.

A especialista ainda aponta que para combater o crime ambiental é necessário desvendar as articulações criminosas e não apenas fazer operações televisonadas. Suely explica que é necessário entrar numa região e entender os crimes que estão ocorrendo. Por exemplo, a grilagem está ligada ao desmatamento ilegal, que está ligado às queimadas, que se tornam incêndios, cujo dinheiro alimenta o garimpo ilegal.

Para obter sucesso, as operações de inteligência do Ibama cruzam desde imagens por satélite até dados de rastreamento das cadeias produtivas e empréstimos em bancos. Afinal, como pontua a especialista, ao chegar em um garimpo e ver máquinas caríssimas, é impossível acreditar que os trabalhadores semi-escravizados que lá trabalham as tenham comprado.

Ligações nefastas

A busca por territorializar, o mapa dos crimes ambientais na Amazônia mostra que o arco do desmatamento circunda o mapa do narcotráfico. Inclui uma circunferência que abarca o Pará, o Mato Grosso e Rondônia, principalmente. Porém, ele é dinâmico e recentemente começou a incluir o sul do estado do Amazonas, chegando à área com violência e degradação ambiental partindo do Acre e Rondônia.

Estudando esse e outros casos é possível notar que as infrações estão conectadas, assim como o dinheiro que alimenta essas grandes operações ilegais. Por isso, a forma de combatê-las tem mais a ver com inteligência do que com força bruta. Apesar das forças de Segurança Pública terem um papel fundamental na parte final do processo, sobretudo em autuações.

Além desse fato, há também a disponibilidade financeira para o combate ao crime ambiental. Suely Araújo afirma que “40 dias da Operação Verde-Brasil na Amazônia pagam um ano da ficalização do Ibama no Brasil inteiro”. Sendo a fiscalização do Ibama, muito mais eficiente.