A liberdade econômica é o objetivo a ser perseguido ou ética, moralidade e respeito à vida são valores maiores que o dinheiro?
Por Renata Vilela
Ética geralmente é o primeiro conceito que vem à mente quando se fala de venda de órgãos não vitais. Porém, segundo o professor titular de Ética e Filosofia Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro, a venda de órgãos não-vitais não chega a ser uma questão pertinente à disciplina.
“O comércio de órgãos não é uma questão sobre ética porque fere a dignidade humana. Se para sobreviver alguém precisa vender pedaços de seu corpo, o ponto de partida não é válido para a discussão sobre a matéria”, disse.
Renato Janine Ribeiro afirma que essa questão só é levantada pois, atualmente, há um contexto de crise econômica e de falta de empregos que leva à falta de renda e à luta pela sobrevivência. O professor ainda completa emitindo sua opinião sobre a questão.
“É indecente. O problema não está em poder ou não decidir vender uma parte do que você é. Mas sim de haver um ambiente em que essa questão seja colocada”.
O que é ética?
No dicionário, ética é a parte da filosofia responsável pela orientação do comportamento humano. O professor Renato Janine aprofunda o conceito dizendo que “ética é a avaliação do caráter justo ou não justo do que as pessoas praticam”.
O que pensam sobre o comércio de órgãos transplantados e transplantadores?
Elisabeth Pinheiro é transplantada renal, além de professora da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP). Ela é “totalmente contrária a essa proposta”. Além da questão moral, a paciente ressalta a grande possibilidade de corrupção em um comércio como esse. “Me assusto com qualquer possibilidade de pensamento corruptível e, numa situação dessas, é muito fácil que isso ocorra”.
Elisabeth Pinheiro conta que a partir do momento em que conheceu o médico certo, todo o processo de transplante ocorreu rapidamente, pois ela já tinha um doador. “Foram dois meses, de setembro a novembro do mesmo ano, e cabe lembrar que foi tudo pelo SUS”.
Mesmo possuindo um potencial doador durante todo o processo pré-transplante, a história de Elisabeth poderia ter demorado muito mais. Em seu relato, ela afirma que antes de encontrar o Dr. Medina, outro médico queria que ela fizesse hemodiálise, ao invés do transplante. “Ele queria me mandar para a hemodiálise que, por coincidência, era realizada no hospital em que ele era diretor”.
O Dr. José Osmar Medina Pestana era o médico certo para Elisabeth. E é o médico certo para milhares de pacientes de todo o Brasil. Além de ser reconhecido como um dos maiores expoentes da medicina moderna pela Universidade Harvard, está a frente do hospital que mais realiza transplantes renais do mundo, o Hospital do Rim e Hipertensão.
Ao ser questionado sobre o comércio de órgãos, o médico e diretor do hospital foi enfático. “A venda de órgãos é repugnante e nenhuma sociedade organizada aceita”. Ele afirma que “pode-se aumentar o número de transplantes ao se aprimorar o sistema de doação”, mesmo que a fila não acabe.
Gargalos para a doação de órgãos
Os grandes gargalos para a doação de órgãos no Brasil são, principalmente, a necessidade do doador cadáver ter ido a óbito por morte encefálica e a captação dos órgãos. A morte encefálica é, segundo definição do Ministério da Saúde “a perda completa e irreversível das funções cerebrais”.
“Como em todos os países do mundo, o número de candidatos a transplante é maior do que o número de doadores com morte encefálica”. Porém, se a captação fosse mais eficiente, haveria uma fila de espera por órgãos menor, afirmou Medina.
Segundo o levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), de 2016, há uma tendência de aumento nas doações de órgãos. Mesmo assim, 43% das famílias dos que morrem de morte encefálica ainda não autorizavam a doação dos órgãos.
Para que serviria o comércio de órgãos?
O comércio de órgãos não soluciona nem a crise econômica, nem a disponibilidade de órgãos para transplante. Não possui respaldo nem entre os que precisam, nem entre os que poderiam lucrar com ele. É apenas uma fantasia liberal de quem desconsidera a dignidade humana e acredita que qualquer valor moral é passível de se tornar um ativo. Porém, mesmo em tempos de ultraliberalismo, ainda há valores que não têm preço.