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Proposta de Autonomia/Independência do Banco Central

O governo federal encaminhou uma proposta de ampliar a autonomia/independênciado Banco Central do Brasil (BCB). Trata-se de um projeto de lei complementarque dispõe sobre autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira doBanco Central e altera artigos da Lei 4595/64 (Reforma Bancária). Também estipulamandatos para os futuros dirigentes do Banco.

É um assunto de enorme interesse para a população brasileira,embora não seja tratado assim nos meios de comunicação de massa.

O Banco Central é um dos órgãos mais importantes de qualquerEstado Nacional no mundo. Não é exagero afirmar que o banco central dos EUA, oFederal Reserve (FED), é a instituição econômica mais poderosa do mundo!

A principal atribuição dos bancos centrais é manejar apolítica monetária, através da taxa básica de juros (custo do dinheiro) e daquantidade de moeda (liquidez).

Além disso, o BCB tem outras atribuições: regular o sistemafinanceiro (solidez dos bancos e instituições financeiras), garantir aquantidade adequada de dinheiro em circulação para a população (meio circulante),guardar as reservas internacionais do país. O Banco Central é, também, o bancodos bancos (!), assegurando a fluidez do sistema financeiro e o fechamentodiário das contas para que elas não fechem o dia no negativo.

Missão do Banco Central

A principal missão do Banco Central é assegurar a estabilidade de preços, ou seja, manter a inflação sob controle, dentro do intervalo da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional – CMN. Para isso utiliza-se do principal instrumento que dispõe, que é o manejo da taxa básica de juros (Selic). Ao tornar o dinheiro mais caro ou mais barato, subindo ou baixando a taxa básica de juros, o Banco Central visa assegurar que, através dos efeitos da política monetária sobre a atividade econômica (crescimento/expansão ou recessão/contração), a taxa de inflação fique bem comportada.

Bem ou mal sucedido na sua principal atribuição, o BCBinfluencia a vida de toda a população, uma vez que somos todos afetados pelainflação, através da perda do poder aquisitivo da moeda. Poder aquisitivo doqual todos dependem, especialmente as pessoas e famílias de baixa renda.

Exatamente por dispor de todo esse poder, o Banco Central deve estar subordinado ao poder da soberania popular, ou seja, ao voto. Por isso, o presidente do BCB é indicado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado, os dois poderes eleitos pela população.

Banco Central na nossa história

Nos últimos 25 anos (do Plano Real até hoje), o BCB atuou combastante autonomia. Seus presidentes foram indicados pelos Presidentes daRepública e os nomes seguiram para aprovação do Senado Federal. No entanto, nãotiveram mandato fixo e podiam ser demitidos a qualquer momento pelo PR.

Nesse período o BCB teve 8 presidentes. Nesse mesmo período oBrasil teve 5 presidentes da República (sem contar o atual Presidente). Dá paraver como os presidentes do BCB tiveram vida longa no cargo.

O projeto encaminhado pelo governo Bolsonaro

O projeto encaminhado pelo atual governo fixa um mandato de 4anos para o presidente e para os diretores do Banco Central (8 diretores),permitindo uma recondução pelo mesmo período. Além disso, torna os mandatos dospresidentes (da República e do BCB) não coincidentes, ou seja, o recém eleitopresidente da República pode ter de trabalhar, nos seus primeiros dois anos demandato, com um presidente do Banco Central que não foi indicado por ele. E, sequiser indicar um novo presidente, só o fará no meio do seu mandato.

Segundo o projeto encaminhado, a demissão do presidente doBCB poderá ocorrer a pedido, por doença, por improbidade administrativa ou porinsuficiência de desempenho em relação aos objetivos do BCB (estabilidade depreços e solidez do sistema financeiro). Nesse último caso (insuficiência dedesempenho), a exoneração pelo PR só ocorrerá se autorizada por maioriaabsoluta do Senado Federal (41 senadores). Isso mesmo, quem poderá demitir opresidente será o Senado, mesmo que o recém eleito PR queira indicar um novopresidente do BCB!

Em nome de uma suposta isenção, neutralidade e conhecimentotécnico dos dirigentes do Banco Central, a proposta limita a soberania popular,impedindo que o PR eleito demita o presidente e a diretoria do BC. Contudo,cabe a pergunta: o BC é um órgão puramente técnico, que não sofre influênciaexterna dos diversos atores econômicos, especialmente dos bancos e instituiçõesdo sistema financeiro? A resposta é obvia. Sim. Sofre forte influência dessesatores que já são muito poderosos no dia a dia da economia.

Concentração bancária no Brasil

Um dos indicadores dessa influência é a expressiva concentração bancária no Brasil. Os 5 maiores bancos detém 81,3 dos ativos totais, 84,4% dos depósitos totais e 83,5% das operações de crédito do segmento bancário no Brasil[1]. Segundo esse mesmo relatório do BCB, a concentração bancária, medida por ativos totais, é a segunda maior numa amostra de 20 países (14 desenvolvidos e 6 emergentes). Não é por acaso que vários presidentes do BCB são oriundos das instituições privadas do sistema financeiro. O penúltimo presidente do BCB veio do Banco Itaú. O atual presidente teve uma longa carreira no Banco Santander.

Assim, dar mais poder aos dirigentes do Banco Central, emnome de uma suposta neutralidade técnica, acima dos legítimos interesses damaioria da população, estipulando mandatos não coincidentes com o mandato doPR, impedindo sua demissão pelo PR (só poderá ser demitido por maioria doSenado), é praticamente conceder um cheque em branco para uma tecnocracia nãosubmetida ao voto popular, na condução de políticas públicas de enorme impactosobre a população. E, mais ainda, submetida aos interesses do sistemafinanceiro, setor do qual, aí sim, o BC deveria atuar de forma autônoma e independente!

Exatamente porque a atuação do Banco Central afeta inflação,nível de atividade, emprego, renda e desemprego, é que sua diretoria tem queresponder aos interesses da população através do poder executivo e do poderlegislativo, sendo demissível a qualquer momento pelo PR. Não cabe nemindependência, nem autonomia da vontade popular.


[1]Relatóriode Economia Bancária do BCB – 2017