Pular para o conteúdo principal

Celso Amorim: "Não é alinhamento aos EUA, é submissão"

Imagem
Arquivo de Imagem
Imagem do site Recontaai.com.br

Ex-chanceler e ex-ministro da Defesa, Celso Amorim se notabilizou como defensor e formulador da ideia de uma “política externa altiva e ativa”. Quando analisa as decisões que vêm sendo tomadas pelo atual governo brasileiro, identifica uma ruptura com a tradição diplomática do país.

Veja abaixo o resumo do diagnóstico realizado por Amorim. A entrevista completa ao Reconta Aí você pode conferir em vídeo, disponibilizado ao final da matéria.

Interesses representados na atual política externa brasileira

Claro que ele foi eleito apoiado por interesses econômicos. Mas, hoje em dia, tirando alguns empresários que são marginais para o conjunto da economia brasileira é muito difícil [identificar].

Há setores do agronegócio, setores no limite da legalidade, que apoiam o garimpo, madeireiros. Mas não é representativo da estrutura econômica brasileira.  Há alguns setores corporativos específicos, talvez.

[O que há] É uma submissão absoluta aos interesses dos Estados Unidos. Especificamente ao governo Trump. Áreas que estão refletidas na extrema-direita dos EUA.

Até empresas de petróleo cuidam da imagem, têm preocupação de estarem associadas a uma coisa muito predatória.  

Soberania ameaçada

[A independência] Diminuiu. Até na intenção, na maneira de agir. Isso é expresso. É um pouco difícil separar o que é submissão aos EUA, que é o que predomina, da ideologia dos setores da sociedade que apoiaram o governo.

Quando o Brasil contraria posições há muito assumidas contra, por exemplo, a direitos reprodutivos da mulher, é difícil de dizer se é para agradar os EUA ou para agradar os setores representados pela ministra Damares. Eu acho que são as duas coisas, mas a submissão, eu acho, acaba pesando mais.

É muito triste. A gente sente que a independência do Brasil está sendo corroída. A verdade é que há um sentimento difuso no Brasil que não liga para isso.

Ruptura na Diplomacia

É algo que eu não conheço na História do Brasil. Mesmo que você veja o momento de maior alinhamento automático [aos EUA], no governo Castello Branco, não tinha essa desfaçatez.

Eu nunca vi uma coisa tão corrosiva da independência. A reputação e a credibilidade do País estão sendo afetadas. Mas também materialmente: a Embraer só não foi vendida porque a Boeing desistiu. A venda fatiada da Petrobras. A Eletrobras. Essas coisas afetam muito diretamente nossa soberania.

O Brasil se une aos EUA contra o maior parceiro comercial do país: a China. O ministro das Relações Exteriores falar “comunavírus” é um absurdo.

Submissão

Nunca se abandonou o interesse brasileiro de forma total [no passado]. O Fernando Henrique privilegiava uma relação boa com os países desenvolvidos, nunca foi só os Estados Unidos. Ainda assim, muitas vezes ficamos contra os EUA. Não era automático. Nunca houve alinhamento automático.

Pode ir mais para um lado ou para outro. Mas não pode se afastar dos princípios que estão na Constituição. A política de Estado é isso. Como vai atingir isso, é a política do governo.

Eu acho que a palavra alinhamento [não deve ser aplicada ao governo Bolsonaro]. É dar uma nobreza. É submissão. Alinhamento pressupõe linha. Se os EUA mudarem de posição, o Brasil muda também. Não tem paralelo isso.

Eu não sei se o Bolsonaro pensa sobre esses assuntos. Até ele se prejudica com isso.

Trump e Biden

Uma eleição do Biden será boa para o Brasil. Ninguém tem a ingenuidade de que os interesses estruturais dos EUA na região vão mudar. Não tenho ilusões. Se a nuance mudar já vai ser bom.

Mas acho que Biden pode ser algo como o [Jimmy] Carter foi para a América Latina. Biden pode ser bom para o Brasil nesse sentido, e será ruim para o Bolsonaro. A ideologia dele é a da extrema-direita dos EUA. É o elo fundamental.

Reconstrução da Diplomacia Brasileira

O Brasil é muito maior do que isso. Eu sei que o Brasil vai recuperar. Não é achar: eu sei. O quanto isso vai custar, eu não sei. Vai dar muito trabalho. Vai ser necessário muito tempo para recuperar a confiança. E quanto mais tempo durar isso, pior.

Nossa elite não tem clareza sobre isso. Mesmo quando saem críticas às relações exteriores, elas são pontuais. Vai dar trabalho para convencer que o que está acontecendo agora foi passageiro. Não será fácil.