No período de 2014 e 2020, 860 estrangeiros foram resgatados do trabalho escravo no Brasil. Entre as mulheres e homens encontrados nas operações, havia a presença de pessoas de 11 países - com destaque para Bolívia, Paraguai e Haiti. A maior parte delas (46%) atuava no setor de confecção de roupas. As informações são da agência Fiquem Sabendo, que teve acesso aos dados por meio de um pedido da Lei de Acesso à Informação (LAI) ao Ministério da Economia.
As informações mostram que os resgates ocorreram de forma descentralizada em doze estados do Brasil. A capital de São Paulo foi a cidade em que mais pessoas foram libertadas do trabalho escravo, cerca de 60% dos 860. Logo em seguida, tem destaque a cidade de de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, na qual 100 haitianos estavam expostos a trabalho escravo na construção civil.
Ilegalidade e falta de conhecimento na língua portuguesa vulnerabilizam estrangeiros
De acordo com a procuradora do trabalho e titular da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do Ministério Público do Trabalho (MPT), Lys Sobral Cardoso, além da vulnerabilidade socioeconômica, que atinge a maioria das vítimas de trabalho escravo, outros fatores colaboram para a exploração dos estrangeiros.
"Muitas vezes as pessoas não estão em situação regular no Brasil e existe a limitação da própria língua, do idioma", destaca a procuradora.
Cardoso explica que a situação em que brasileiros e estrangeiros são submetidos ao trabalho análogo à escravidão é parecida: "Falta alojamento digno, alimentação digna, fornecimento de equipamentos de proteção, limite de jornada". A procuradora esclarece ainda que há outras violações, como a servidão por dívidas, o trabalho forçado e a limitação da liberdade de ir e vir.
Fim do trabalho escravo no Brasil ou falta de fiscalização?
Conforme os dados apurados pela Fiquem Sabendo, a maior parte dos resgates ocorreu entre os anos de 2013 e 2014. Durante esse período, 392 pessoas foram libertadas da situação de exploração.
Contudo, a diminuição dos resgates de trabalhadores estrangeiros submetidos à situações degradantes pode estar relacionada ao déficit de 60% de auditores fiscais do trabalho, do que com o fim da prática. "Infelizmente o Brasil vive hoje uma situação muito difícil no tocante a fiscalização do trabalho", critica Cardoso.
A procuradora ressalta ainda que desde 1995, quando o Brasil reconheceu perante a comunidade internacional a persistência de formas de trabalho escravo contemporâneo em seu território, muitos avanços ocorreram. Porém, com a falta de auditores atualmente, a estrutura da fiscalização está comprometida. "Isso tem causado prejuízo no número de operações no combate [ao trabalho escravo] que tem sido feito no País".
Justiça e reparação para as vítimas do trabalho escravo
"Após as operações de resgate, os trabalhadores e as trabalhadoras recebem indenização", conta Cardoso. Isso ocorre porque o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União, logo após o flagrante, fazem o pedido à União.
Além disso, a procuradora esclarece que todos os resgatados e resgatadas têm direito a três parcelas de seguro-desemprego e o pagamento das verbas rescisórias, já que o antigo contrato de trabalho é extinto. No entanto, o pagamento de férias, 13º salário, horas extras e outros direitos trabalhistas não pagam os danos morais vividos por essas pessoas. Dessa forma, elas podem requerer na Justiça a reparação pelos danos.
Leia também
8 motivos para lutar contra o trabalho infantil