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Brasil pós-Covid-19: Qual o futuro da Saúde?

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Imagem do site Recontaai.com.br

Jamais o Brasil precisou tanto do seu Sistema Único de Saúde como na pandemia. Mas qual será o futuro do SUS?

Especialistas debatem o futuro da saúde brasileira em seminário do Instituto de Economia da UNICAMP.

O SUS nasceu ligado umbilicalmente à democracia no Brasil. A ideia de saúde pública, gratuita e universal foi gestada por profissionais de saúde junto com a sociedade ainda antes da redemocratização do País. Contudo, só floresceu e foi posta em prática depois do fim da ditadura militar e da promulgação da Constituição de 1988.

Passado

Entretanto, segundo Ana Luiza Viana, professora aposentada da USP especializada em  políticas sociais e de saúde e políticas públicas e economia, nosso sistema de saúde nasceu tardiamente quando comparado naqueles nos quais se inspirou, principalmente no NHS.

E isso teve consequência. Os 40 anos que separam o SUS dos sistemas europeus fizeram com que ele nascesse num cenário econômico muito mais adverso. De acordo com Ana Luiza Viana, o SUS nasceu no Brasil em meio ao questionamento neoliberal das políticas de bem-estar social, em um momento de desindustrialização e concentração de empresas e fundos de investimentos nos serviços de saúde privados.

Essa contradição custou caro ao povo brasileiro.

Presente

“Nunca se ouviu falar tanto do SUS como nestes últimos meses em que vivemos uma tragédia no Brasil”, afirmou Jairnilson Paim, professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. “O fato concreto é que a populção, lideranças e a própria mídia passaram a conversar sobre o SUS e manifestar opiniões”, completa o professor.

Nesse sentido, esse interesse pelo sistema – que evitou que a tragédia da Covid-19 fosse ainda maior no Brasil – pode ter chegado tarde demais.

Ana Luiza Vianna afirma que hoje, o peso dos custos da produção da área de saúde é muito grande. No mesmo sentido, a professora explica que esses gastos estão mais voltados à distruibuição de lucros do que focados no bem comum.

Segundo ela, há uma disputa que percorre diversos setores da área. Por exemplo, disputa nos gastos tributários: 20% do orçamento do SUS são divididos entre restituição do Imposto de Renda dos que podem pagar planos privados e entre a filantropia. Logo, o SUS tem menos de 80% do orçamento destinado à Saúde para atender a toda a população do país.

Outro fator que tira dinheiro da assistência de saúde é o pagamento de empresas terceirizadas que realizam serviços como gestão de RH, informática e limpeza nos hospitais. “São firmas que formam oligopólios e disputam o gasto final em saúde com a própria assistência”, explica Vianna.

Desafios

O SUS enfrenta problemas iguais aos de outros sistemas do mundo, mas também tem por desafios ímpares. Paim afirma que os problemas [do SUS] podem ser equacionados por medidas gerenciais, técnicas, oprativas. “Mas há obstáculos que necessitam de respostas mais fortes”, disse.

Isso ocorre porque SUS real está distante do arcabouço legal que o dá sustentação. O SUS real enfrenta forças políticas e enconômicas contra sua sustentabilidade financeira e existência nos moldes no qual foi pensado e construído. Ou seja, enfrenta uma conjuntura antidemocrática que desintegra políticas públicas e nega as ações tansversais a outras áreas que vinham dando certo.

De acordo com Vianna, a eleição de Bolsonaro rompeu com o modelo da Constituição de 1988. No mesmo sentido, rompeu com o federalismo que no SUS é necessário. A professora confirma que isso foi desnudado durante o enfrentamento à pandemia. Vianna afirma que hoje a referência do governo é de uma política liberal atrasada e de práticas iliberais em outros campos. Assim, é inevitável o abandono de políticas setoriais como o SUS, que são fruto do estado de Bem-Estar social.

Futuro

Nos 32 anos do SUS, o sistema contribuiu para o aumento da expectativa de vida, melhoria da saúde mental, melhoria dos indices de mortalidade infantil, entre outros índices de saúde coletiva.

Diversas pesquisas, no Brasil e no exterior, têm indicado que o futuro trará novos desafios. As demandas sociais exigirão dos sistemas de saúde organização, estrutura e planejamento, que são incompatíveis com políticas fiscais austeras e de restrição do financiamento da saúde pública.

Paim explica que os estudos sobre o futuro do SUS e de outros sistemas de saúde pública no mundo apontam para que os países desenvolvam uma sustentabilidade científico-tecnológica para que não sejam tão dependentes do mercado internacional.

Assim como é internacional a busca por um modelo de sustentabilidade econômica, já que não é possível manter um sistema universal em que o gasto público é menor que o gasto privado. No Brasil, soma-se a isso o desafio imposto pelo Teto de Gastos, “que chata o piso de financiamento da saúde”, segundo o professor da UFBA.

Vianna acrescenta que desde 2008 vem ocorrendo um desmonte da proteção social e das políticas de saúde no mundo. Segundo ela, de 2015 a 2020 o NHS perdeu 1 bilhão de libras, assim como o sistema português também segue perdendo financiamento e os cortes na central de combate às doenças nos EUA.

Em um contexto mais amplo, o panorama traçado por Vianna é assustador. “A crise do neoliberalismo trouxe uma revolta contra as democracias liberais. Portanto, emergiu o nacional populismo. Isso colocou em questão a fragmentação das éticas e dos valores liberais, assim como da imprensa, a justiça e os partidos políticos. O esvaziamento do sistema de valores, perda de lideranças mundiais e militarização são a realidade com que a saúde pública precisará lidar no mundo”, destaca a professora.

Assim, a existência e o aperfeiçoamento contínuo do SUS e da saúde pública, em nível mundial, depende da disputa de novos paradigmas que nortearão a humanidade.