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Bolsa Família e 13º: A falsa promessa e o triunfo da mentira

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“A verdade e a mentira são construções que decorrem da vida no rebanho e da linguagem que lhe corresponde. O homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça ou exclui do rebanho. (…) Portanto, em primeiro lugar, a verdade é a verdade do rebanho”.
(Nietzsche, Verdade e Mentira no Sentido Extramoral)

Muito já se disse sobre o papel da mentira na vida pública brasileira nos últimos cinco anos. A distância entre diversas interpretações de cada fato concreto sempre foi comum e aceitável. Mesmo a criação de opiniões e conteúdos ideológicos em cima de cada dado da realidade também já conheceu seus limites – dados são recriados em cada mínima informação veiculada ao público. Mas parece haver se perdido, em alguma fresta do tempo recente, os pudores de outrora que eram aplicados não só ao manejo do fato, mas também na criação da informação em si.

Os atores políticos que hoje ocupam o poder sempre se moveram entre fatos e afirmações facilmente classificadas como mentiras. De currículos de gestores a promessas emitidas a cada reforma, de lealdades partidárias a ódios figadais, de peças de campanha eleitoral (lembremos que até um atentado se deu sem sangue) a boatos carregados de moralismo, palavras de ordem criadas em celulares ungidos e espalhadas com ódio por pessoas de boa fé, tudo neste governo relaciona-se à mentira. Até mesmo um gabinete criativo a mentira ganhou nesta gestão.

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Reformas e empregos

A cada reforma, a promessa de milhões de empregos. A cada venda de patrimônio público, uma comemoração do mercado e promessas de crescimento. A cada divulgação de estudos oficiais, o órgão responsável é desmantelado. A cada momento em que a crise arreganha os dentes, a promessa de um programa redistributivo. A distância entre a palavra dada, a imagem veiculada e as consequências socioeconômicas reais ganhou um espaçamento inédito, formando desertos de sentido que embaralham as opiniões e as sensações do rebanho. Afinal, como lembrava Flaubert, “não há verdade, só percepção”.

13º e a promessa do Bolsa Família

A última bravata a se desmanchar no ar foi a promessa de um 13º salário para beneficiários do Bolsa Família. A promessa foi feita com estardalhaço antes da pandemia que mata aos milhares, da inflação que castiga a mesa dos mais pobres, do desemprego recorde e do mar de informalidade, da fome que avança como nos anos 90 e da ausência de perspectivas de crescimento. E foi cancelada por um simples anúncio de Guedes, “não há provisão, não há dinheiro”, seguida do mantra que controla nossas vidas, “teto de gastos, responsabilidade fiscal”.

Leia também:
Bolsa Família: beneficiários não terão 13º em 2020

Está claro aqui que não falamos da fake news da maneira que hoje está em voga. Pois essa estrutura não seria bem sucedida sem os profissionais de sempre. O papel da mídia é complementar e fundamental, ampliando e dando pretensa racionalidade às imagens e juízos de valor do rebanho, moldando sensibilidades, atirando as culpas para outros tempos, outras geografias, outros personagens externos a este governo, apascentando os humores.

Que também fique claro que essa prática sempre existiu na publicização das notícias. Robert Darnton nos lembra de Procópio, Aretino, os “homens-parágrafo”, jornais produzidos nas gráficas de Grenoble durante o período revolucionário francês e outros detratores profissionais e patrocinados. Mas as diferenças entre o anúncio do 13º e a sua suspensão, entre a delação de Palocci e o cancelamento judicial desse ato, entre as promessas de emprego de Guedes e os resultados, entre a necessidade de isolamento para se combater a pandemia e as exultantes reportagens sobre compras no Natal – mostram que os restolhos de pudor e decência escorreram pelo ralo.

Covid-19, desemprego e mídia

Curiosamente, as pessoas continuam consumindo os produtos desse complexo midiático para obter (in)formação sobre o mundo. Alguns, até trabalhando nesses canais oficiais de comunicação, julgam e interpretam o mundo sem se importar em como arrebatam seu ganha-pão, mantêm-se altivos e exibem pudores corporativos, procurando dissociar-se da fábrica de mentiras, exibindo ideais nobres de profissão. Talvez seja sincero. Santo Agostinho já explicava que “…quem quer que enuncie algo que, em sua mente, tenha acreditado ou opinado, mesmo que seja falso, não mente. Pois deve isso à enunciação de sua fé: profere, por meio dela, aquilo que tem em mente e acredita ser como profere”.

Enquanto isso, uma imensa parcela da população arrasada pela peste, pela fome, pela desocupação, pela falta de perspectivas, parece mansa e cordata enquanto caminha para o abate. Pelo que dizem alguns institutos, parte do mesmo complexo midiático (e que também abriga trabalhadores dignos e com ideais, certamente), segundo eles, boa parte dessa mesma população quase aprova as diretrizes de seus governantes.

E assim todos seguem em sua profissão de fé. Um dia por vez, uma mentira a cada dia. Assim nos mantemos no rebanho.