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Artigo – Sobre independências e auxílios: do que são feitas popularidades

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Imagem do site Recontaai.com.br

Foto: Marcos Corrêa/PR

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

(Camões)

Há pouco se viu um alarde midiático sobre uma popularidade crescente da gestão Bolsonaro. Embora muito mais ancorada nas manchetes do que nos números, ela contrasta com notícias mais recentes, como pesquisa do PoderData que mostra queda de 8 pontos desse prestígio no Nordeste. Suas aparições na região, armadas com público cenográfico, não foram exatamente um sucesso. Outras pesquisas recentes mostram que mais de 70% dos beneficiários do Auxílio Emergencial temem e desaprovam a redução do seu valor, enquanto 61% dos brasileiros tiveram seu emprego ou fonte de renda prejudicados.

Além disso, adentrando a seara dos costumes neurastênicos da nossa classe média, os panelaços do 7 de setembro mostraram um descontentamento de sua antiga base de apoio. Por fim, é crescente o número de pessoas que atribuem à atuação do governo – e do presidente – a responsabilidade por um excesso de mortes na pandemia.

Para agravar esse cenário, a leve subida na aprovação dependeu descaradamente do Auxílio Emergencial. A mídia nunca explicitou que o governo não criou o valor de R$ 600; nem deixou clara sua responsabilidade pela redução do valor – pelo contrário, em mais um atentado forjado contra a informação pública, tentou fazer do presidente um herói que enfrentou a equipe econômica para aumentar em trinta reais o valor do auxílio.

Não foi explicado à população que as quatro parcelas de R$ 300 não serão para todos. Não há retomada do emprego, não há investimentos estatais e agora pode-se ficar sem o Auxílio: quem começou a receber o auxílio emergencial em julho e não teve o seu pagamento interrompido em momento algum, terá direito apenas a uma parcela de R$ 300. Também não se abriu a possibilidade para novos cadastros, portanto só haverá redução, e não aumento do número de beneficiários.

Se a matéria que forjou a instável popularidade de Bolsonaro é frágil e limitada, os problemas decorrentes da crise econômica – na verdade, da política econômica deste governo – não dão sinais de arrefecimento. E podem se agravar com a entrada de um candidato mais do que esperado para as eleições de 2022 (único tema que parece interessar aos titulares do governo e seus apoiadores). E a consistência do prestígio desse candidato declarado é longeva e feita de outra matéria.

Em comunicado veiculado por esse candidato em pleno Dia da Independência, a dependência e a subserviência foram ressaltadas. A responsabilidade do governo pelas mortes na pandemia, também. O discurso de quem teve sua última candidatura impedida por sucessivos golpes jurídico-midiáticos circulou entre a oposição entre os mais ricos e os trabalhadores, foi da recuperação da estrutura sindical à taxação das maiores fortunas, deixou clara a oposição fundamental entre classes no Brasil. Atacou o privatismo e a desigualdade, a desindustrialização e o desemprego. Não deu espaço a posturas moderadas.

Propôs novo pacto social sem ceder a posições conciliatórias tão em voga entre os formadores de opinião pública que possuem espaço na grande mídia. E, mais do que isso, mostrou ser o único ator político de oposição capaz de dialogar com emoções, com aquilo que se desprende da lógica e da racionalidade imediata, que evoca símbolos e produz associações de ideias com sentimentos. Da mesma maneira que o bolsonarismo trabalha os ódios sociais mais profundos, ontem assistimos alguém que sabe fazer renascer imagens de solidariedade, justiça social e amparo aos mais pobres. Também tem seus 30% intocáveis (há muito mais tempo) e ainda tem na manga a carta da esperança.

Até os primeiros meses de 2021, a rejeição ao atual presidente deverá ficar clara. Não há meios de sustentação das âncoras de seu prestígio. Por outro lado, esse tipo de apoio pode não ser necessário. O aparato jurídico continua a interferir nos rumos da vida política, os militares ganharam cargos e rendimentos e não vão largar o osso, a grande mídia continua sendo o Auxílio Emergencial de Guedes e da política econômica. O uso da força poderá ser a única solução. E, do outro lado, embora os fumos de esperança volta e meia cheguem aos ventos, é visível não haver organização e unidade suficientes para entender o esfacelamento dos caminhos institucionais e enfrentá-los.

Mas desde o 7 de setembro resta a esperança, uma semente que brota e se alastra. Por enquanto, é importante que todos saibam que resta essa esperança e a vontade de nos manter vivos e vencer.