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"Sem o auxílio emergencial, o caos social, econômico e político já estaria instalado no Brasil"

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Imagem do site Recontaai.com.br

Por Sérgio Mendonça

No contexto da pandemia do novo Coronavírus que atingiu o mundo e o Brasil, o Congresso Nacional aprovou a lei 13.982/20, posteriormente alterada pela lei 13.998/20, que visa conceder um benefício emergencial para garantir, ainda que parcialmente, a renda dos trabalhadores informais, dos beneficiários do programa Bolsa Família (complemento de renda) e das famílias que estavam inscritas no Cadastro Único – CadÚnico, até 20 de março de 2020. 

O CadÚnico existe desde 2001 e é um cadastro com inscrição de famílias que se encontram em condições de pobreza e extrema pobreza e que, em determinadas situações, poderão acessar os programas sociais do Governo Federal.  

A lei 13.982/20 e alterações aprovaram o auxílio emergencial de R$ 600 por três meses.  A lei prevê que famílias onde a mulher é a única provedora terão direito a receber duas cotas de R$ 600, ou R$1.200. Também prevê que mães adolescentes com menos de 18 anos terão direito ao benefício. 

Como se sabe, a súbita parada da economia, decorrente das recomendações dos órgãos de saúde (nacionais e internacionais) para enfrentar a crise sanitária, comprometeu ou inviabilizou a geração de renda para milhões de brasileiros que trabalhavam no setor informal nos milhares de municípios brasileiros. 

Para conter a trajetória exponencial de pessoas com infecção e o colapso dos sistemas de saúde para atender os doentes mais graves, os governos estaduais e municipais adotaram medidas de isolamento social ou, em alguns casos, o lockdown – proibição mais rígida de circulação de pessoas e de funcionamento de atividades econômicas e coletivas. 

Antecedentes e execução

O Governo Federal, diante dos efeitos da pandemia do novo coronavírus propôs, em março, um auxílio de R$ 200. As negociações no Congresso com os diversos partidos políticos da situação e da oposição, além das Centrais Sindicais e dos movimentos sociais, resultaram na elevação do valor do auxílio emergencial para R$ 600. O primeiro pagamento do auxílio emergencial foi realizado no mês de abril de 2020. 

O auxílio emergencial será, por um tempo limitado de três meses, o maior programa de inclusão social que se tem notícia no Brasil. Segundo balanço da Caixa (divulgado no dia 21.05.20), 101,2 milhões de pessoas inscreveram-se para obtenção do auxílio. Na primeira parcela foram pagos 52,3 milhões de auxílios, atingindo desembolso total de R$ 37,1 bilhões. 

Na segunda parcela dezoito milhões de pessoas receberam, até o momento de divulgação do balanço da Caixa, R$ 12,8 bilhões. Cerca de dez milhões de cadastros ainda estão sob análise da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – Dataprev, empresa pública responsável pela verificação dos critérios de elegibilidade previsto na lei 13.998/20. 

Por decisão do Governo Federal foi centralizada na Caixa a operação de pagamento do auxílio.  Muitos problemas ocorreram em função do vulto e do ineditismo da operação em tão curto espaço de tempo. O principal deles foi a formação de enormes filas e aglomerações, elevando significativamente o risco de contágio da população beneficiária, dos empregados da Caixa e de todos os trabalhadores envolvidos na operação de pagamento do auxílio. 

Outros fatores também têm dificultado que a operação tenha sido bem sucedida até o momento. Destacam-se, entre outros, a ausência de uma campanha massiva de orientação e esclarecimento da população alvo por parte do Governo Federal, a redução do efetivo de pessoal da Caixa desde 2016, a falta de infraestrutura de parte das agências e a demora em providenciar os equipamentos de proteção para todos os envolvidos, notadamente os empregados da Caixa. 

Depois de muito atraso, e somente após pressão das entidades representativas dos empregados, foram providenciados os equipamentos de proteção necessários para reduzir o risco de contágio. Registre-se que essa mega operação tem contribuído também para elevar o nível de tensão, estresse e adoecimento dos empregados da Caixa.

Superados esses obstáculos e erros, espera-se que os pagamentos da segunda e da terceira parcelas do auxílio ocorram com redução de riscos e transtornos. 

filasFila em agência no Rio Grande do Sul Cred: Marcelo Pinto/APlateia


Os números do Auxílio Emergencial

Pelas estimativas atuais do Governo Federal o programa terá um dispêndio total, nas três parcelas, próximo de R$ 120 bilhões, cerca de 1,7% do PIB. Aproximadamente 0,6% do PIB a cada parcela. 

Tudo leva a crer que a maioria das famílias, se não todas, utilizará o auxílio emergencial no consumo de itens essenciais tais como alimentação, higiene e limpeza. Se o orçamento familiar permitir, algumas quitarão dívidas. Esse gasto das famílias, após o recebimento do auxílio emergencial, evitará uma queda maior do PIB. Essas famílias, segundo Keynes nos ensinou, têm propensão marginal a consumir igual ou superior a 1 (um). Em outras palavras, gastam toda a renda que recebem. Por ter um orçamento muito apertado, raramente conseguem poupar algo. 

Arrisco afirmar que se não fosse a aprovação da lei do auxílio emergencial e o desembolso desses R$ 120 bilhões em três meses, o caos social, econômico e político já estaria instalado no Brasil. Provavelmente estaríamos assistindo saques em estabelecimentos comerciais e violência urbana em decorrência da fome que atingiria milhões de brasileiros sem nenhuma renda. 

Ainda que aproximadamente 60 milhões de pessoas recebam as três parcelas do auxílio emergencial, é razoável supor que muitas famílias ainda estão passando fome e outras necessidades essenciais pela ausência ou insuficiência de renda em função da queda dos rendimentos provocada pela crise econômica. Apesar das limitações e erros, o auxílio emergencial terá evitado, por um tempo limitado, esse cenário de desagregação social.

E quando o Auxílio Emergencial acabar?

Embora só tenha sido criado agora no furacão de uma grave crise sanitária e econômica, o auxílio emergencial tem semelhança com a Renda Básica Universal. Que ficou conhecida no Brasil como a proposta do Senador Suplicy! Em razão da defesa que o ex-senador Eduardo Suplicy fez do Programa de Renda Mínima nas últimas três décadas.

Perguntas e cenários possíveis  

O auxílio será prorrogado além de três parcelas?
Se depender do Governo Federal, conforme tem sido anunciado pelo ministro e outros representantes do Ministério da Economia, a prorrogação, se ocorrer, será feita com a redução do valor do auxílio.  Como a equipe econômica só pensa “naquilo”, ou seja, só pensa em austeridade fiscal, a proposta do Governo Federal deve caminhar nessa direção. Certamente os partidos de oposição, alguns partidos de centro, o movimento sindical e os movimentos sociais pressionarão o Congresso Nacional para prorrogar por mais alguns meses o auxílio emergencial pelo mesmo valor (R$ 600).

A partir dessa experiência do auxílio emergencial será criado um programa de Renda Básica Universal ou renda mínima no Brasil?
Aqui cabe uma pequena digressão. As novas tecnologias vêm, há muitas décadas, poupando emprego no processo de produção. Automação, robots, tecnologias de comunicação, inteligência artificial, entre outras, poupam cada vez mais trabalho e emprego para produzir bens e serviços.  Para evitar o desemprego estrutural e de longa duração é necessário reduzir drasticamente a jornada de trabalho no mundo. Para que todos trabalhem. 

Embora o movimento sindical tenha priorizado a luta pela redução da jornada de trabalho ao longo de sua história, não conseguiu alcançar esse objetivo, salvo em poucos países (Alemanha, França, países escandinavos). Em outros países, ao contrário, a jornada de trabalho cresceu. Caso dos EUA e da China. Atualmente o desemprego e a precarização, incluindo extensas jornadas de trabalho, fazem parte da realidade do mundo do trabalho da maioria dos países. Como superar esse problema?

Será a Renda Básica Universal uma boa resposta aos desafios colocados pelo avanço tecnológico?
Não só pelo avanço tecnológico, mas também pelo deslocamento do trabalho para outros países, pela globalização, pela financeirização que sacrifica a economia real e o investimento produtivo encurtando o tempo de valorização do capital. Se não há emprego, caberia garantir uma Renda Básica Universal para todos.

Há, contudo, um debate que não pode ser ignorado sobre a Renda Básica Universal. Como garantir que sua criação não enfraqueça a luta sindical por emprego de qualidade e salários dignos?
Uma Renda Básica Universal insuficiente para o conjunto da população de um país (formais e informais) poderia, ao contrário de assegurar uma vida digna a todos, contribuir para um desmonte do estatuto do trabalho (no Brasil a CLT), da legislação trabalhista e da previdência social. Já que todos fazem jus a uma Renda Básica Universal, para que pagar salários mais altos?

E para que contribuir para a Previdência se a renda básica estará assegurada para todos no futuro? Esse é um dilema sobre a introdução de um programa como esse no futuro. De um lado, pode garantir renda para todos no contexto do desemprego estrutural e de longa duração. De outro, pode contribuir para o rebaixamento, ou até extinção, da legislação trabalhista, do Seguro Desemprego e da Previdência Social.

Outro cenário que não deve ser descartado a partir da experiência do auxílio emergencial no Brasil é que poderá levar o governo federal a propor, na saída da crise sanitária, a unificação/racionalização de diversos programas sociais como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, o Seguro Desemprego, o Abono Salarial e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Especula-se, ainda, a criação de um programa de Imposto de Renda Negativo como concebido pela Escola de Chicago (Friedman e outros).

Arriscando uma conclusão parcial

Nos próximos meses a taxa de desemprego deverá crescer muito no Brasil e no mundo. A economia brasileira estará muito fragilizada. O mercado de trabalho também. Os trabalhadores por conta própria, os autônomos, os assalariados sem carteira e os trabalhadores familiares dificilmente retomarão suas atividades nas condições pré-crise.

Para enfrentar esse cenário, no curto prazo, será necessário prorrogar o auxílio emergencial. Infelizmente a crise sanitária e a crise econômica se estenderão por mais tempo. Difícil prever quanto tempo. No médio e no longo prazos, propostas de fusão dos programas sociais e aprofundamento do desmonte da legislação trabalhista em função do alto desemprego (tecnológico, estrutural e conjuntural), surgirão no debate público.

O risco é que o auxílio emergencial, medida imprescindível nesse momento, seja usado como porta de entrada para o desmonte do que restou de política social e trabalhista no Brasil. Esse será um dos principais desafios do movimento sindical, do movimento social e dos partidos progressistas, no debate público que se aproxima.

Sérgio Mendonça é economista e integrante do Reconta Aí.