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Artigo: Os efeitos da elevação da taxa Selic sobre os fundos de pensão

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Por: José Roberto Ferreira

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), também conhecidas como fundos de pensão, têm, na capitalização, o regime financeiro que sustenta os planos de benefícios previdenciários que administram. A capitalização consiste no mecanismo de acumulação e de multiplicação de capital, por meio da incidência de juros sobre juros – conhecido como juros compostos. 

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No caso dos fundos de pensão, a capitalização dos ativos que suportarão os benefícios contratados conta com os juros compostos decorrentes da aplicação dos recursos e com as contribuições de participantes, assistidos, patrocinadores e instituidores. Historicamente, a rentabilidade dos fundos de pensão no Brasil foi, majoritariamente, obtida por meio da aplicação dos recursos em títulos públicos federais, que apresentavam características atípicas e que contrariavam os princípios de finanças: possuíam, ao mesmo tempo, elevada rentabilidade, grande liquidez e reduzidos riscos. 

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Há alguns anos, os fundos de pensão chegaram a possuir cerca de 87% de todos os seus recursos alocados em títulos públicos federais. Ou seja, os fundos de pensão sempre foram os grandes financiadores da dívida mobiliária federal. Felizmente e em benefício da lógica da capitalização, essa realidade tem mudado, inclusive nesse cenário extremamente adverso, representado pela pandemia do COVID-19. 

Segundo o Relatório Gerencial de Previdência Complementar relativo ao 6º bimestre de 2020, recentemente publicado pela Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar (SURPC), órgão vinculado ao Ministério da Economia, apenas 48,6% dos recursos dos fundos de pensão estavam alocados em títulos públicos federais ao final de 2020, ainda que outros 14,87% estivessem aplicados em cotas de fundos de investimentos, em parte lastreados por títulos públicos federais. Tamanho reposicionamento dos investimentos foi impulsionado pela progressiva redução da taxa SELIC (taxa básica de juros da economia brasileira e que representa o preço médio de negociação dos títulos públicos federais), adicionado à necessidade de rentabilidade imposta pelos planos de benefícios que possuem meta consolidada de retorno financeiro (conhecidas como exigível ou meta atuarial) em 2020, da ordem de 4,70% reais ao ano, ou seja, acima dos índices de inflação, segundo informações recentemente divulgadas pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP).

O ápice desse movimento ocorreu há alguns meses, quando a taxa Selic foi posicionada em nível inferior à inflação observada no mesmo período, resultando em taxa real de juros negativa. Por óbvio, os efeitos desse quadro no modelo de acumulação adotado pelos fundos de pensão resultam em descapitalização. Paralelamente, o processo inflacionário tem se mostrado recrudescente e é agravado pelos efeitos da pandemia em relação aos preços de bens e serviços. Diferentemente da inflação conhecida pelos brasileiros, cuja origem é o chamado choque de demanda (grande procura por bens e serviços limitados e consequente elevação de preços), o cenário atual é caracterizado por restrição de renda para o consumo e consequente oneração dos meios de produção. Portanto, a medida natural e conhecida para conter processos inflacionários – elevação da taxa Selic para estimular poupança e limitar consumo e, por consequência, reduzir os preços dos bens e serviços – é ineficaz para o quadro apresentado. 

No entanto, a prescrição tende a ser a mesma, como afirmam os principais agentes do sistema financeiro: a curva de juros futuros já mostra uma taxa Selic de 6,5% em dezembro deste ano e de 9% no fim de 2022, contra os atuais 2,75%. Ainda assim, tais retornos não devem se mostrar suficientes para atender às metas atuariais dos planos de previdência complementar fechada. Ocorre que essa tendência pode sugerir aos fundos de pensão, um equivocado retorno à zona de conforto na qual os ganhos financeiros se mostrem facilitados, com elevada liquidez e reduzido risco. Ainda que esse cenário possa resultar em oportunidades de curto prazo para os fundos de pensão, não indica uma condição estrutural, dadas as consequências fiscais decorrentes da elevação da taxa SELIC, que é o crescimento e a progressiva oneração da dívida pública federal, o que se mostra insustentável no médio e longo prazo.

Portanto, é importante que os fundos de pensão compreendam essa provável elevação da taxa Selic como situação circunstancial e que não deve representar uma alteração na trajetória em curso, que objetiva a responsável assunção de riscos – sempre com a prudência inerente ao dever de diligência imposto aos dirigentes dos fundos de pensão – e consequente obtenção dos retornos financeiros estruturais e necessários à manutenção do modelo de capitalização que sustenta a previdência complementar. 

José Roberto Ferreira é economista; sócio-diretor da empresa Rodarte Nogueira & Ferreira – consultoria em atuária e estratégia; e ex-diretor-superintendente da Previc.