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Artigo – Fome e desemprego: o velho novo normal que nos espera

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Imagem do site Recontaai.com.br

Fotos: Ednubia Ghisi e Regis Luís Cardoso

“Há dois caminhos à nossa frente: o caminho do pão e o caminho da bomba.”
(Josué de Castro)


Antes de iniciar qualquer arenga, vale lembrar nosso excelentíssimo presidente da República: “É melhor ter menos direitos e emprego do que todos os direitos e desemprego”. A frase que anunciava uma nova era.

O abandono do isolamento, somado ao final do auxílio emergencial de R$ 600, provoca desde o final de agosto a subida dos números do desemprego. Um milhão de pessoas voltaram a circular em busca de vagas de emprego, aumentando a taxa de desocupação para 14,3%, ou seja, quase 14 milhões de brasileiros. Vale lembrar que os impactos da redução ou do fim do auxílio (muitos não irão receber, ou irão receber menos parcelas e elas serão reduzidas à metade do valor) se darão com mais intensidade de setembro até o final do ano. E mais: a taxa de desalentados não foi reduzida. O número de pessoas que não começou a procurar emprego ainda é o mesmo, o que sugere, para alguns economistas, que a taxa real de desempregados seria de mais de 21,5%. Mas, em relação aos que saíram em busca de trabalho e sustento, o que vão encontrar?

Cinco meses após a pandemia, um quarto das empresas do setor de serviços planeja reduzir o número de funcionários ou até mesmo encerrar suas atividades. O levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) mostra ainda que nas áreas de alimentação, alojamento e transporte rodoviário muitas empresas tiveram que tomar crédito, suspender contratos ou reduzir jornada. Muitas adiaram o pagamento de taxas e tributos. Outras, 10% de todas as empresas dos setores pesquisados, que incluem construção, comércio, transformação, afirmam que, para continuarem abertas, terão que diminuir em até 20% o número de empregados. E, com menor contribuição do auxílio, o consumo tende a decrescer neste últimos meses do ano. Ou seja, as perspectivas para a retomada do emprego parecem não ser as melhores.

Enquanto isso, pesquisa sobre segurança alimentar realizada entre 2017 e 18, publicada agora pelo IBGE, revelou que 36,7% dos domicílios possuíam ali algum grau de insegurança alimentar, o que representava 84,9 milhões de pessoas. Dessas, quase 11 milhões viviam com restrições alimentares graves – fome, em palavras brandas. Segundo o IBGE, “houve ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo, quando presentes, as crianças.” Em 2004, quando o PNAD iniciou esses registros, 34,9% viviam com algum tipo de insegurança alimentar. Em 2013, esse número baixou para 22,6%, com apenas 3,2% em situação de fome. A restrição significativa de alimentos quase dobrou entre 2013 e 2018, de 4,6% para 8,1% das residências. E a leve, onde já há algum comprometimento de qualidade, passou de 14,8% para 24% dos domicílios. Os verbos estão no passado porque a pesquisa refere-se a 2018. A situação de lá para cá certamente piorou.

Sobre as crianças, entre essas mesmas que já estão nas casas sem segurança alimentar, algumas continuarão também sem a merenda escolar ou a creche até o final do ano. Sobre todos, crianças e adultos, a pandemia também não perdoará milhares daqui até o ano que vem.

Enquanto as bases desse novo normal são assentadas, o jornalismo nacional continuará mostrando o caminho do empreendedorismo e das MEI’s, já que qualquer desgraça é passível de ser romantizada pelo espírito humano. As igrejas continuarão rezando por nossas almas em troca de dízimos e isenções fiscais. A reforma administrativa e as privatizações serão a esperança de bilhões injetados na economia, saneamento de contas públicas e geração de “milhões de empregos”, como garante a equipe econômica a cada reforma. E Guedes, com o apoio da grande mídia, irá bradar que “estamos decolando”.

Ou seja, o mundo que espera os cidadãos orgulhosos por não terem direitos, os que saem em busca de trabalho ou de expedientes, é o mundo da fome, da peste e da morte.