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Artigo – A maior crise de desemprego da nossa história e a necessidade de um New Deal brasileiro para enfrentá-la

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Imagem do site Recontaai.com.br

Sérgio Mendonça, economista e diretor do Reconta Aí, faz uma análise da atual crise brasileira. Como ponto de partida, um breve histórico de crises de desemprego no Brasil

O Brasil passou por vários ciclos econômicos nos últimos 120 anos (1900-2020), período que coincide com o processo de desenvolvimento e urbanização do País. A urbanização cresceu lentamente nas primeiras cinco décadas do século vinte, acelerando na segunda metade do século passado com o avanço do desenvolvimento econômico e da industrialização responsáveis por atrair os trabalhadores do campo para a cidade.

O desemprego não foi o principal problema econômico e social do Brasil na maior parte desse longo período. Enquanto a maior parcela da população brasileira residia no campo, nas áreas rurais, o mercado de trabalho urbano não apresentou altas taxas de desemprego.

Até o início dos anos oitenta do século passado, o desemprego teve uma trajetória de queda por quase um século. Na maior parte do século vinte, os contingentes de trabalhadores e trabalhadoras que se deslocaram do campo para a cidade encontraram ocupações e empregos formais. 

A formação do mercado de trabalho no Brasil foi resultado do desenvolvimento econômico tardio em relação aos países desenvolvidos. As novas indústrias e setores aqui instalados, com raras exceções, sempre estiveram defasados da fronteira tecnológica das indústrias dos países desenvolvidos, onde o valor agregado e os salários pagos são mais altos. Nosso padrão de acumulação foi baseado em salários baixos e oferta abundante de mão de obra.

Mesmo sendo a economia que mais cresceu no mundo em oitenta anos (1900-1980), o País não foi capaz de estruturar um mercado de trabalho com maior formalização dos empregos, elevação do patamar salarial, reduzida informalidade e ampla proteção social dos trabalhadores. 

Apesar dessas características próprias do nosso modelo desigual de desenvolvimento, no início dos anos oitenta do século passado a indústria sediada no Brasil era a maior dos países subdesenvolvidos.

Ainda que os setores industriais aqui instalados não estivessem na fronteira tecnológica, o País foi capaz de criar uma grande e diversificada indústria que transformou o Brasil na maior economia do mundo não desenvolvido até aquele momento.  

A crise da dívida externa (1982) abortou a longa trajetória de crescimento da economia brasileira até então – com reflexos negativos no mercado de trabalho. O ajuste recessivo para enfrentar a crise da dívida externa, entre 1981 e 1983, causou a primeira grande crise de desemprego no Brasil. Apesar da crise durar três anos, o mercado de trabalho recuperou-se rapidamente a partir de 1984. A taxa de desemprego também caiu rapidamente até 1989.

Entre 1990 e 1992 o País enfrentou uma nova crise de desemprego, que teve como causas principais a recessão decorrente do Plano Collor e a abertura econômica ligada à globalização. Essa crise do mercado de trabalho foi mais duradoura. O setor industrial foi duramente afetado, com enorme perda de postos de trabalho. Foi uma segunda década de baixo crescimento econômico, semelhante ao da década perdida dos anos 1980.

A superação da crise de desemprego dos anos 1990 demorou mais tempo do que a da década anterior. A década de 1990 foi mais perdida, do ponto de vista do mercado de trabalho, do que a década de 1980. A taxa de desemprego permaneceu relativamente alta na maior parte da última década de século vinte. 

No início do século 21 a queda do desemprego, de modo consistente, só ocorreu a partir de 2004. Foram praticamente dez anos de queda até 2014. Apenas em 2009, em razão da crise financeira mundial, a taxa de desemprego não caiu. 

As diversas alterações metodológicas realizadas pelo IBGE nas pesquisas sobre mercado de trabalho, desde o final dos anos 1970, dificultam comparações sobre a taxa de desemprego nesse longo período de desenvolvimento do País. Apesar dessa limitação, é possível afirmar que o desemprego atingiu, em 2014, um dos menores patamares da história econômica do Brasil.  

De 2015 para cá, a economia brasileira e o mercado de trabalho desandaram. O desemprego praticamente dobrou entre 2014 e 2017. E continuou muito alto, a despeito de uma pequena queda em 2019. Entre 2002 e 2014 foram criados cerca de 21 milhões de empregos formais. Essa trajetória foi revertida com a eliminação de três milhões de empregos formais entre 2015 e 2019.

Covid-19 e Desemprego

Ao contrário da crise de 2008, quando a economia brasileira estava crescendo, a crise do Covid-19 atingiu o País em momento de enorme fragilidade. Recessão e baixo crescimento desde 2015, alto desemprego, salários estagnados, retorno ao crescimento da informalidade. Fazendo uma analogia com a crise sanitária, pode-se dizer que um perigoso vírus atingiu um organismo econômico debilitado. Os riscos de uma tragédia social e econômica, nesse contexto, não são pequenos.

A necessidade do isolamento social para enfrentar a pandemia tem enfraquecido ainda mais a frágil saúde da economia brasileira. O desemprego cresceu significativamente no trimestre encerrado em abril. E teria crescido ainda mais se quatro milhões de pessoas não tivessem saído temporariamente do mercado de trabalho. Saíram pela dificuldade de procurar emprego em tempos de pandemia. E também pelo desalento. E, infelizmente, deve continuar crescendo nos próximos meses.

Em 2020, provavelmente, teremos uma das maiores quedas anuais, se não a maior, do PIB da nossa história. Instituições e analistas estimam quedas que oscilam entre -6% e -11%

Esse mergulho da atividade econômica em 2020 elevará fortemente o desemprego. Não é exagero estimar que, ao final de 2020, teremos cerca de 20 milhões de desempregados. Somando desempregados e subempregados poderemos alcançar o impressionante número de 40 milhões de pessoas. Reafirmando, pessoas e não apenas números!

Todas as faixas etárias serão atingidas. A experiência brasileira e internacional nos ensina que os jovens serão mais afetados do que a média. Se a taxa de desemprego total alcançar 20% em 2020, ela poderá atingir 40% ou até mais para os jovens. A depender do crescimento do desalento, as pessoas sequer apareceriam na estatística de desempregados e subempregados. Permaneceriam afastadas do mercado de trabalho por absoluta possibilidade de encontrar um emprego ou uma ocupação informal.

Desafios

Como enfrentar tamanho desafio de gerar emprego e reduzir o desemprego em pouco tempo? A urgência será necessária para evitar que uma geração de brasileiros adultos, sobretudo jovens, fique alijada do mercado de trabalho, desempregada ou subempregada. Qualquer trabalhador, jovem ou não, que fique muito tempo afastado do mercado de trabalho, desempregado ou inativo, diminuirá sua chance de retornar em função da defasagem de conhecimento e da falta de experiência e aprendizado.

Somente um plano abrangente de reconstrução da economia, um “New Deal” brasileiro, trará alguma esperança para superar essa crise econômica e o alto desemprego. Algumas medidas, que não esgotam todas as ações necessárias para a reconstrução do País, poderiam compor esse plano.

Investimento público, programas emergenciais de transferência de renda, investimento em saúde pública, criação de empregos temporários para obras de infraestrutura e embelezamento urbano, programas massivos de formação e qualificação profissional, investimento em educação pública, em tecnologias de produção que preservem o meio ambiente, na área cultural, política de valorização do salário mínimo, crédito público de longo prazo e fortalecimento do movimento sindical e associativo.

Esse programa poderá pavimentar um caminho para que uma ampla parcela de brasileiros, especialmente os mais jovens, não se transforme numa geração perdida, sem oportunidades de inclusão produtiva no mercado de trabalho.

Além disso, considerando o atual avanço tecnológico e científico, poupador de trabalho, que certamente será acelerado em razão da pandemia (inteligência artificial, automação, tecnologias de informação e comunicação), será necessário debater e reduzir significativamente a jornada de trabalho no Brasil e no mundo.

Não há necessidade de jornadas de trabalho tão extensas com a atual capacidade de produção e de conhecimento científico e tecnológico. A não ser que a escolha das sociedades seja continuar convivendo com um desemprego estrutural e de longa duração, sacrificando e marginalizando milhões de pessoas.

O governo Bolsonaro não abraçará essa agenda de prioridades. Os compromissos com os donos do dinheiro, com o mercado, com a maior parcela do setor empresarial, demonstrados à exaustão nesse primeiro ano de governo, não autorizam um olhar muito otimista nessa direção. Um plano de reconstrução com as diretrizes apontadas acima, além de exigir total engajamento do Governo Federal, só avançará se outros atores políticos – governos estaduais, Congresso Nacional, partidos políticos, movimento sindical, movimentos sociais- construírem um pacto de financiamento para enfrentar essa gigantesca e necessária obra de reconstrução do País.

Esse pacto passará inevitavelmente por taxar grandes fortunas e altas rendas. Se o caminho escolhido não contemplar o combate ao desemprego e à subutilização da força de trabalho como prioridade máxima da Nação, tudo leva a crer que caminharemos, no curto prazo, para um impasse com desdobramentos sociais, econômicos e políticos imprevisíveis.