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Afinal, o que é o "deus mercado"? Entenda o que Lula quis dizer em seu discurso

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Lula

Em coletiva de imprensa realizada na manhã desta quarta-feira (10), Lula falou sobre o “deus mercado” e do perigo do País ficar refém do mercado financeiro.

Durante seu discurso nesta quarta-feira (10) – dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, anular sua condenação na Operação Lava Jato – o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva elencou vários pontos da política econômica praticada pelo governo Bolsonaro.

Lula também mencionou a necessidade do povo brasileiro ter emprego e questionou se o Pais vai ficar refém do ‘deus mercado’, que quer ganhar dinheiro “não importa como”. Mas o que seria esse “deus mercado”?

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Câmbio, queda da bolsa, aumento do risco Brasil. Afinal, como funciona o mercado financeiro?

“O mercado financeiro é um ambiente em que se negociam moedas estrangeiras, títulos de dívida e ações de empresas”, explica Fernando de Aquino, conselheiro e coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia. Ele destaca que os preços desses ativos variam ao longo do tempo, de acordo com o que compradores e vendedores esperam que valorize.

O mercado se autorregula de acordo com seus próprios interesses

Em outras palavras, para cima ou para baixo, o mercado se regula a partir dos interesses de compradores e vendedores de papéis que nem sempre tem correspondente na realidade concreta. Ou, como afirmou Lula, pessoas que ficam “trocando papel sem produzir um lápis, um copo“.

“As opiniões desses negociadores podem estar certas ou erradas e eles formam as suas decisões de acordo com o que eles acreditam”, ressalta Fernando de Aquino.

O economista prossegue, explicando que demanda-se ou se vende-se moeda estrangeira, influenciando o câmbio ou o valor dos juros dos títulos da dívida – uma lógica própria, fechada em si, e que atualmente dita os rumos da política econômica do País.

Como as decisões do deus mercado impactam o dia a dia?

Seja no valor da taxa de juros ao pedir crédito ao banco, seja no balcão da padaria comprando um pãozinho, cidadão brasileiro tem sua vida impactada.

O preço do pão francês – pão de sal ou cacetinho – varia de acordo com seu principal ingrediente, a farinha de trigo. A farinha do cereal é uma commodity, cujo preço é medido em dólares. Assim, se o mercado financeiro decidir que há algum risco no pagamento de títulos públicos pelo estado brasileiro, o Real se desvaloriza frente ao dólar e as pessoas pagam mais caro na padaria.

Esse é um exemplo bastante simples sobre a variação cambial. Se extrapolado para outras commodities e produtos, e ainda acrescido de outras variáveis econômicas, é possível mostrar a complexidade da economia hoje.

O mercado vive de projeções e as notícias impactam seu humor

O deus mercado não tem muito senso de humor. Ao contrário, é bastante pragmático em suas ações. Aquino explica que, às vezes, uma notícia que aparentemente não tem relação com o mundo financeiro acaba influenciando o mercado. Segundo ele, isso acontece porque “as pessoas que compram, vendem e negociam esses ativos [nas Bolsas de Valores] entendem que tem relação”.

Como exemplo, Aquino fala sobre as políticas fiscais cuja base é a austeridade nos gastos públicos. Segundo ele, quando o governo deixa de reduzir seus gastos por qualquer motivo, o mercado passa a creditar que a dívida do País aumentará, exigindo então juros mais altos para seguir investindo aqui.

Porém, esse investimento nem sempre chega ao setor produtivo, que gera emprego e renda para a população. Contrariamente, acaba ficando na mão dos operadores do mercado, que vivem de investir e reinvestir sem compromisso algum com o bem estar da população.

Afinal, os gastos públicos podem ser encarados como investimentos públicos, cujo efeito é a expansão de programas e políticas públicas que podem ser a diferença entre a vida e a morte da população, como vemos hoje na vigência da pandemia.

O deus mercado é menos sensível às tragédias reais do que aos fatos políticos e parece um pouco irracional

O Brasil vive o seu pior momento em relação à pandemia. Diariamente, cerca de 2 mil brasileiros morrem por causa da Covid-19. Pequenas empresas vão à falência cotidianamente e, sem o novo auxílio emergencial, milhões de pessoas não terão o que comer.

Ainda assim, ontem (9), o deus mercado reagiu mais fortemente à elegibilidade de Lula em 2022 do que à tragédia cotidiana. Isso é explicado por Aquino: “Eles observam no que os fatos políticos afetam os ativos que têm em mãos”. Em outras palavras, a população não interessa.

No mesmo sentido, o economista ainda explica que o mercado acredita que a elegibilidade de Lula aumenta a possibilidade de eleição de um governo de esquerda, o que pode diminuir a rentabilidade de suas empresas. Curiosamente, o oposto que ocorreu durante os dois governos de Luís Inácio Lula da Silva.

Ética do deus mercado

De acordo com Aquino, dentro de um governo neoliberal é razoável aceitar que a ética do mercado defina os rumos da população de um país. Mas o economista alerta: somente para essa configuração de governo cuja aspiração é o Estado mínimo.

“Um governo tem que pensar na melhoria da qualidade de vida de todos, não só do lucro das empresas”, afirma o economista. E para que isso ocorra é preciso, segundo ele, ter investimento, produção e inovação, mas também uma remuneração melhor para os trabalhadores, um aumento de oportunidades e a inclusão de um grande contingente da população que vive à margem.

Sobre o assunto, ao final da coletiva de imprensa Lula respondeu uma pergunta dizendo que esse medo que o mercado tem dele não é novo. Relembrou 2002, quando o dólar disparou e as análises vindas dos operadores eram terríveis. Porém, reafirmou que “os fantasmas que o mercado vê nele” só fazem sentido se o deus mercado quiser entregar a soberania nacional; caso contrário, ele tem a experiência de oito anos, muito positiva, sob seu governo. “Se o mercado quiser ver às minhas custas a entrega do patrimônio nacional, não vote em mim”, concluiu Lula.

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