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Artigo – A popularidade forjada e o auxílio emergencial

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Imagem do site Recontaai.com.br

Foto: Isac Nóbrega/PR

É tudo um sonho
É tudo uma sombra, uma idéia
Autor, ator e platéia
Espero que o pano caia
Pra sair batendo palmas
Ou romper na maior vaia
Ou dizer, muito ao contrário
Que espetáculo tão frouxo
Nem merece comentário
(Samba abstrato, Paulo Vanzolini)

A superação de qualquer condição adversa deve partir do conhecimento do que ocorre, de informações minimamente embasadas sobre a realidade. A função do jornalismo costuma ser exatamente essa, noticiar a maioria dos fatos e, dentre eles, destacar o que mais importa para a sociedade. São dos noticiários que nascem discussões, mobilizações e tomadas de decisão frente a realidade. É essa função social que justifica, inclusive, a defesa de sua atuação livre.

Nesta semana que passou vimos o número de pessoas sem emprego ou subempregadas atingir recordes, ultrapassando o número de pessoas com ocupação. Vimos a perspectiva de queda do PIB cair ainda mais e números aterradores de fechamento de pequenas e médias empresas. Mantivemos o patamar de mil mortos por dia, a maneira relapsa de enfrentar essa pandemia e, inclusive, a ausência de um ministro da Saúde. Multiplicaram-se evidências de corrupção na família presidencial e de fraude eleitoral.

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Uma pesquisa qualificada mostrou que 52% da população culpa o presidente pelas mortes na pandemia. Que o presidente empossado após um golpe e uma eleição fraudulenta tem pior avaliação do que Fernando Collor após o famigerado confisco da poupança. Que 35% dos seus próprios eleitores o apontam como culpado pelo caos da pandemia. Que para 41% da população, o presidente mente. Ainda mostrou que o único setor da sociedade onde ele tem uma aprovação significativa é o do empresariado.

Também foi interessante notar que essa avaliação desastrosa revelou um pequeno aumento de popularidade do presidente entre os excluídos, justamente após uma política de auxílio econômico criada e garantida por partidos de esquerda – e depois de inaugurações de obras semiprontas, planejadas e realizadas em governos petistas.

Manchetes, chamadas e falas de comentaristas no rádio e na televisão são muito mais eficientes do que a aposta no conteúdo, e revelam a intenção política de moldar a opinião pública e marcar o que deve ser discutido. Não é preciso dizer que os destaques que predominaram não abordaram qualquer um dos temas acima expostos. Apenas o pequeno aumento de popularidade, até justificado pelo auxílio emergencial, mas com o detalhe perverso de não revelar que ele foi uma conquista dos partidos de esquerda no Congresso Nacional.

A pauta foi extremamente bem sucedida, inclusive junto ao público da esquerda que, em sua maioria, levou as mãos à cabeça ou aos céus, organizando cirandas de oração para o enfrentamento da situação.

O poder de garantir a comida na mesa é notável, mas não pareceu ser suficiente. Não é um programa de redistribuição de renda, mas sim de compensação da ausência de trabalho. O sucesso político e a satisfação dos excluídos ainda dividiram espaço com os mantras da elite nacional, “responsabilidade fiscal” e “teto de gastos”. Ou seja, há um previsão de novos conflitos internos no governo. Mas, no geral, a mídia que se traveste de oposição deu as tintas para pintarem um quadro de popularidade inexistente. Manteve a despolitização dos fatos: escondeu o papel da esquerda no Auxílio Emergencial e mostrou inaugurações de obras prontas. Continuou a demonizar o principal partido de esquerda e sua liderança. Manteve o status quo do caos político e da crise econômica em que estamos mergulhados. Esforçou-se por reconstruir a força de uma liderança espúria em um momento de fragilidade.

Os que gritam “é a economia, estúpido!”, não estão errados, mas caolhos. Os que denunciam o horror político também só esperneiam com uma perna. A ditadura é midiática. O controle é da narrativa. Se não nos livrarmos da grande mídia, por mais que nos consideremos inteligentes ou ilustrados, continuaremos apenas na audiência. Batendo palmas ou na maior vaia.