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A diplomacia brasileira

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Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e professor de Ética da FFLCH-USP, fala sobre o papel da diplomacia brasileira para a obtenção de vacinas.

Sabem o que é um País não ter guerra em seu território há mais de 150 anos – desde que as últimas tropas paraguaias foram expulsas do Brasil? Esta é uma experiência que quase nenhum país europeu, asiático ou africano tem. Apenas nas Américas temos casos comparáveis em alguma escala. E mesmo assim, várias nações do continente foram invadidas nesse período.

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Quando eu ouvia dizer que o Brasil é (ou era) um País “abençoado por Deus”, me irritava. Temos miséria, atrasos na educação e na saúde, uma economia de segunda linha. Mas não ter guerra internacional em nosso território, nem mesmo guerra civil no último século, exceto a pequena de 1932 (com menos de 2 mil mortos), é uma vantagem significativa.

O avanço de nossa diplomacia tem a ver com isso. O Itamaraty resolveu nossas pendências de fronteiras – que não foram poucas, mas, tirando as do Prata e a breve guerra indireta em torno do Acre, se solucionaram por negociações e não pela força das armas.

Mais que isso, o Itamaraty desenvolveu uma política externa de muita prudência. Lembro um jornalista de qualidade, Clovis Rossi, que infelizmente não está mais entre nós, revoltado com nossa neutralidade quando começou o atual conflito na Síria. Ele queria que o Brasil fosse lá ajudar. Mas quem acompanha o que aconteceu por lá vê que virou um desastre.

Eu meço minhas palavras: nossa diplomacia tem qualidade bem superior à dos Estados Unidos, quase sempre baseada em ameaças de invasão militar e de pressões econômicas. Como não dispomos nem de uma nem de outras, tivemos que desenvolver o que hoje se chama de soft power.

O Brasil desconfia de invasões militares. Quando EUA e Europa pensaram resolver a guerra civil no Kosovo e depois na Líbia pela força armada, o Brasil ficou fora. A Líbia, assim como a Síria, afundou numa guerra civil ainda pior. O Kosovo conseguiu a independência, mas consolidando um apartheid étnico.

Isso, para não falar nas calamidades iraquiana e afegã. O Iraque, no qual conviviam mais ou menos sunitas, xiitas e kurdos, foi dividido na prática, multiplicando-se guetos. O Afeganistão, depois de 20 anos da invasão, vai ser devolvido, pelo menos em parte substancial, aos talibans.

Enquanto isso, o Brasil, embora hoje esteja pagando o preço da irresponsabilidade de Bolsonaro no Itamaraty, soube ter a melhor diplomacia possível de um país sem força militar, sem riqueza econômica, sem assento na ONU. E mais que isso, uma diplomacia de paz (não foi o caso da India, sempre em tensão com seus vizinhos) e que nos rendeu muitos bons resultados.

É dessa diplomacia que depende, agora, boa parte da esperança de obtermos vacinas e de reduzirmos a chacina operada pela covid e pelo descaso. Se conseguirmos parar o número de mortos – hoje em 400 mil confessados – em menos de um milhão, a diplomacia brasileira será uma das responsáveis.

Fica a lição: um país grande na demografia, mas sem força militar ou econômica, pode sim ter peso mundial.

Renato Janine Ribeiro foi ministro da Educação em 2015; é professor-titular da cadeira de Ética e Filosofia política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e escritor.

Atualmente, compartilha seus textos sobre bastidores da política nos seus canais de Whatsapp e Telegram.

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