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2021: Economista explica o que é crescimento em K

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Imagem do site Recontaai.com.br

Economistas utilizam letras para descrever a trajetória de economias após grandes quedas, como a que ocorre em 2020. Professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, a economista Ana Luíza Matos de Oliveira aponta que o Brasil deve passar por uma recuperação em “K”, terminologia que tem ganhado cada vez mais espaço.

Enquanto o governo fala em retomada em “V”, ou seja, uma rápida volta ao crescimento após uma grande queda, Oliveira defende, levando-se em conta a desigualdade, o que o Brasil deve vivenciar em 2021 é uma economia cindida: pobres piorando de vida e ricos melhorando.

“Os mais ricos vão se recuperar mais rapidamente. Uma grande parte da população – pessoas que vivem de trabalho informal, assalariados com rendimentos mais baixos – vai sofrer por muito mais tempo”, explica a economista.

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Confira a entrevista ao Reconta Aí abaixo.

Você participou da organização do livro Economia pós-pandemia, que realiza um diagnóstico crítico das políticas de austeridade e faz propostas alternativas. Como vê as chances dessa agenda ser adotada no Brasil?

Zero. Eu não entendo que essa agenda, infelizmente, tenha espaço no governo atual. Não só pelo comprometimento do governo Bolsonaro com a agenda do Paulo Guedes, de austeridade, mesmo não sendo uma aliança instável, mas também pela visão autoritária quanto à política social, inclusão, combate às desigualdades.

A visão do livro é que a desigualdade é uma questão central no Brasil e uma questão ruim. Deve ser combatida, reduzida. As propostas que o governo tem colocado é de não enxergar a desigualdade como problema e de questionar políticas que buscam reduzir as desigualdades. 

Como avalia as posições de Paulo Guedes em relação ao próprio campo liberal?

Ele está parada no tempo, nos anos 70. São ideias que o próprio mainstream no centro do capitalismo já superou. Na pandemia, diversas organizações como FMI, OCDE, Banco Mundial estão falando da importância de continuar com políticas que mantenham o nível de renda para tentar gerar emprego e de produzir políticas para reduzir vulnerabilidades de grupos como mulheres, população negra. Aqui, o governo tem um discurso antiquado e extremista. 

Para além da questão da desigualdade, não existe uma tensão dentro do governo em torno desse extremismo econômico de Guedes, pensando até nos desejos de Bolsonaro se reeleger?

Guedes é bastante convencido da teoria econômica que ele aprendeu em Chicago e que ele ajudou a implementar no Chile de Pinochet. Uma primeira dimensão que não podemos esquecer é que a austeridade não é incompatível com autoritarismo, por isso a menção a Pinochet. 

No Brasil, existem conflitos. Existe uma tensão. Essa aliança [entre Bolsonaro e Guedes] não é uma questão simples de equacionar. Existem forças com voz no governo que tentam se contrapor a Paulo Guedes. É muito difícil dizer o que vai acontecer.

Mas é possível afirmar que Guedes tem vencido esses embates, já que, por exemplo, o Teto de Gastos foi mantido?

Sim e não. A gente conseguiu o chamado orçamento de guerra esse ano, uma coisa necessária por conta da situação. Por um lado, se mantém a ideia de que o Teto está intocado, mas, de outro, o Teto está ruindo.

O Teto foi muito mal construído, não se sustenta por muito tempo. Essa mascarada que se deu em 2020 disfarçou um pouco. Não se encarou de frente que o Teto é inexequível. Tanto é que o governo tentou, durante o ano, colocar dentro do orçamento de guerra questões que não eram relativas à pandemia. Não entrou tudo que se tentou. 

Com o que estamos vivendo agora, estamos empurrando esse conflito. O Teto de Gastos é uma medida péssima adotada em 2016. É muito mais radical do que qualquer experiência internacional. Esse conflito será permanente.

Sua perspectiva é de um cenário negativo para 2021. A promessa de retomada do governo está descartada?

O governo tem falado em recuperação em “V”. Estou absolutamente convencida que teremos uma recuperação em “K”. Os mais ricos vão se recuperar mais rapidamente. Uma grande parte da população – pessoas que vivem de trabalho informal, assalariados com rendimentos mais baixos – vai sofrer por muito mais tempo. 

Será muito segmentado por estrato social. Qualquer que seja o cenário, as previsões da ONU, da OIT, da FAO, todas apontam aumento da desigualdade, da pobreza e da fome. 

A perspectiva, com certeza, é que para o grosso da população, a situação estará pior. Para maioria da população, vai ficar pior. Pode ser que haja crescimento do PIB ano que vem, dependendo da situação sanitária. Como a retração foi forte em 2020, como a base está muito deprimida, qualquer crescimento vai ser representativo. 

Com a pandemia, por exemplo, um dos setores que mais caiu foi o do trabalho doméstico. E não se recuperou ainda. Quem são as trabalhadoras domésticas? Mulheres negras. Esse segmento será muito afetado. 

Resumindo, se houver crescimento econômico, será em base de uma crescente desigualdade.

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